Em júri indígena de RR, réu alega legítima defesa contra espírito

Réus são acusados de tentar matar outro índio em 2013. Julgamento ocorre na Raposa Serra do Sol e não há prazo para o término

Inaê Brandão e Emily Costa – Do G1 RR

Valdemir da Silva Lopes, um dos indígenas acusado de tentar matar outro índio em janeiro de 2013, no município de Uiramutã, Nordeste de Roraima, alegou durante seu depoimento no júri popular indígena que ocorre nesta quinta-feira (23) que o crime aconteceu pois ele e seu irmão, Elsio da Silva Lopes, estavam se defendendo contra um espírito malígno denominado ‘Canaimé’. Elsio, que também é réu no caso, confessou aos jurados que golpeou o pescoço da vítima com uma faca de “cortar laranja”.

O júri começou na manhã desta quinta na comunidade Maturuca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no município onde ocorreu o crime, e não tem previsão para ser encerrado. Segundo o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), o julgamento é inédito no Brasil, pois ocorre em área indígena e o júri é composto exclusivamente por índios.

Desde que o caso chegou a público, a defesa afirmou que o crime foi motivado pela crença dos réus de que a vítima, Antônio Alvino Pereira, estava ‘dominada’ pelo espírito da entidade malígna ‘Canaimé’. O júri, que aconteceu de forma tranquila pela manhã, ficou tenso durante o depoimento de Elsio.

Ao ser perguntado por qual motivo desferiu um golpe de faca contra a vítima, Elsio respondeu que o fez “porque foi ameaçado”. O promotor do caso, Diego Oquendo, questionou Elsio sobre a tese do ‘Canaimé’. O réu foi orientado por seu advogado a não responder mais perguntas. Diante disso, a promotoria se recusou a fazer novos questionamentos e o depoimento de Elsio foi encerrado.

Durante a oitiva do segundo réu, Valdemir da Silva Lopes, ele esclareceu que estava com o seu irmão e um terceiro homem, que é testemunha ocular do fato, no bar onde o crime ocorreu. Ele afirmou que a vítima chegou “puxando conversa” e que a mesma mantinha uma “postura agressiva”. No depoimento, Valdemir afirmou que a vítima havia dito ao terceiro homem que “matava crianças”, o que teria gerado desconfiança nos irmãos.

Valdemir relatou ainda durante o depoimento que cerca de um mês antes da tentativa de homícidio, um líder indígena e uma criança haviam sido assassinados pelo ‘Canaimé’, pois, segundo ele, tinham marcas no pescoço e folhas na garganta, algo característico da entidade, conforme a crença dos indígenas.

Diante da informação do homem que Antônio Pereira seria um assassino, os irmãos concluíram que a vítima estava ‘dominada’ pelo espírito maligno e o atacaram com uma faca.

Encerrado o depoimento dos réus, o júri seguiu com os debates do Ministério Público de Roraima e da defesa dos acusados da tentativa de homícidio.

Canaimé
Segundo a antropóloga Leda Leitão Martins, o ‘Canaimé’ é um ser maligno. “É uma entidade muito poderosa que tem corpo físico e pode viajar longas distâncias. Uma pessoa pode ser ou pode virar o Canaimé. Ninguém conhece um Canaimé. Ou você é ele ou você é vítima dele”, explicou.

Julgamento
A tentativa de homicídio que está em júri popular aconteceu no 23 de janeiro de 2013, em um bar no município de Uiramutã.

Trinta indígenas, sendo 5 suplentes, das etnias Macuxi, Ingaricó, Patamona e Taurepang foram escolhidos para participar do júri e na manhã desta quinta, 7 foram sorteados para compor o quadro de jurados.

Segundo o juíz responsável pelo caso, Aluizio Ferreira, os líderes indígenas da região se reuniram em assembleia e optaram juntos pelo júri popular. “Em dezembro do ano passado, pelo menos 270 deles foram favoráveis à audiência. Então, a realização do júri é resultado de uma escolha coletiva, não é etnocentrismo ou imposição”.

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