Ocupe Estelita e o novo ativismo

Por ocasião dos três anos do Movimento Ocupe Estelita,  Raquel Rolnik, urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, afirma que “o novo ativismo urbano que eclode pelo país, represente justamente a oportunidade de revermos a lógica de produção de nossas cidades, antes que seja tarde demais”, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, . Eis o artigo

IHU On-Line

Parece que a única resposta ao abandono de um lugar é a sua captura pelo circuito financeiro-imobiliário.

Na semana passada, o Movimento Ocupe Estelita completou três anos de existência, contestando a implementação de um projeto imobiliário que pretende construir 12 torres em antiga área pública ferroviária, localizada em uma das frentes marítimas do Recife –o cais José Estelita.

Nesses anos, além de se apropriar simbólica e fisicamente do lugar, o movimento tem recorrido a diversas estratégias para protestar contra a forma pela qual foi definida a destinação daquela área, que, além de já ter sido pública, faz parte de uma paisagem cultural da cidade carregada de memória e, ainda, é vizinha de assentamentos populares que há décadas lutam pela urbanização e pela permanência no local.

O cais José Estelita estava abandonado há décadas, desde que o país teve a péssima ideia de adotar políticas públicas de circulação que desistiram dos trilhos e investiram em carros, ônibus e caminhões.

Assim que o Ocupe Estelita eclodiu, a pergunta que faziam os promotores do empreendimento, apoiados pela Prefeitura do Recife, era: vocês preferem as ruínas e os ratos aos empregos e à paisagem modernizada das torres?

Essa pergunta, capciosa, revela a trama perversa que capturou as políticas do setor em tempos de urbanismo especulativo: não são as necessidades dos habitantes – muito menos o seu desejo – que determinam o destino dos lugares, mas sim as expectativas dos investidores em relação a possíveis retornos financeiros que possam render no futuro.

Assim, parece que a única resposta possível ao abandono do lugar é a sua captura pelo circuito imobiliário-financeiro.

Entretanto, o movimento respondeu à pergunta ocupando e fazendo viver, desde já, no presente, o cais José Estelita. Feiras, debates, workshops, shows, encontros e arte foram atraindo cada vez mais moradores do Recife e região para “viver” o Estelita. Apropriando-se do local, as pessoas foram transformando-o em área pública de fato.

À mobilização e à pressão da sociedade – que foi também revelando as legalidades controversas que cercaram esse e outros processos de decisão que envolvem a apropriação privada de bens comuns – seguiu-se, por parte da prefeitura, um processo de “abertura de negociações”.

Então, as perguntas feitas ao movimento passaram a ser: afinal, o que vocês querem? Diminuir o número de torres? Diminuir a altura? Um conjuntinho habitacional para a população de baixa renda ali adiante? Ganhar uma casa?

Mais uma vez, essas perguntas revelam a dinâmica política que se instaurou nos processos decisórios sobre os projetos urbanos.

Aos que contestam se oferece não a possibilidade de participar ativamente da definição do destino do lugar, muito menos de ser parte integrante do “conteúdo” do projeto, mas tão somente uma contrapartidazinha –já que comércio popular, habitação social e espaços públicos (a alma de uma cidade como o Recife) são tratados como custos que diminuem o valor e a rentabilidade do empreendimento.

O final dessa história ainda está em aberto. Talvez o Ocupe Estelita, assim como o novo ativismo urbano que eclode pelo país, represente justamente a oportunidade de revermos a lógica de produção de nossas cidades, antes que seja tarde demais.

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