Contra o marco temporal: a legalização na democracia do genocídio dos povos indígenas durante a ditadura

No Judiciário brasileiro, mais especificamente no Supremo Tribunal Federal, trava-se nova batalha dos povos indígenas: a Constituição da República teria estabelecido um limite, um marco temporal que determinasse que só poderiam ser demarcadas as terras que os índios habitavam quando a Constituição foi aprovada? Manuela Carneiro da Cunha, com toda a clareza, mostrou que não. A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” denunciou essa questão no seu relatório final. Índio é Nós, durante a “X Blogagem Coletiva Desarquivando o Brasil”, em outubro do ano passado, também criticou essa ameaça aos povos indígenas. Se o marco temporal prevalecer no Supremo Tribunal, algumas demarcações poderiam até mesmo ser desfeitas.

No contexto da Mobilização Nacional Indígena, lançamos hoje esta declaração, com outros grupos, entidades e organizações, contra a tese do marco temporal.

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Contra o marco temporal: a legalização na democracia do genocídio dos povos indígenas durante a ditadura

1. O Estado brasileiro, por meio do relatório da Comissão Nacional da Verdade, em dezembro de 2014, reconheceu ter cometido graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas. Somente de dez etnias, a Comissão Nacional da Verdade apurou o número de 8350 mortos. Além de terem sido vítimas de genocídio, esses povos foram removidos violentamente de suas terras.

2. Por essa razão, o Estado brasileiro aprovou, como recomendação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, reparar esses povos por meio da demarcação, desintrusão e recuperação ambiental de suas terras, medidas mínimas e imprescindíveis de justiça restaurativa.

3. Essas medidas de reparação não são compatíveis com uma interpretação restritiva dos direitos humanos e da Constituição da República que faça crer que os constituintes desejavam, nos artigos 231 e 232, legitimar o criminoso status quo da remoção forçada dos povos indígenas.

4. A remoção forçada foi, de acordo com o próprio Estado brasileiro, o produto do genocídio e de outras ações violentas da ditadura: envenenamento, fuzilamento e bombardeios de tribos pelas Forças Armadas, criação de campos de concentração para índios. Usar esses fatos contra os povos indígenas significaria culpabilizar as vítimas e beneficiar os assassinos com sua própria iniquidade, violando preceitos básicos de justiça e de dignidade.

5. A demarcação das terras indígenas é uma dívida histórica do Estado brasileiro e uma exigência no campo dos direitos humanos que a Constituição cidadã determinou que fosse cumprida até 1993. Exigir que os índios e as comunidades tradicionais em geral devessem estar presentes em 1988 nas terras ainda não demarcadas significaria legalizar o legado do genocídio cometido contra os povos indígenas, além de violar gravemente as normas nacionais e internacionais de justiça de transição e de diversidade cultural.

Associação Juízes para a Democracia

Índio é Nós

Movimento de Apoio aos Povos Indígenas (MAPI)

Destaque: trecho do Relatório Figueiredo sobre o Pataxó, Bahia.

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