Comissão da Escravidão Negra no Rio negocia dados de universidade americana

Cristina Indio do Brasil – Repórter da Agência Brasil

A Comissão Estadual da Verdade (CEV) da Escravidão Negra no Rio de Janeiro quer fazer acordo com a Universidade de Emory, em Atlanta, nos Estados Unidos, para receber dados sobre a chegada, no Rio, de africanos que foram escravizados. O presidente da comissão, Marcelo Dias, disse à Agência Brasil, que os pesquisadores da instituição têm trabalho amplo sobre o período escravocrata brasileiro, e isso vai facilitar as apurações da CEV da Escravidão Negra.

A ideia, segundo ele, é trazer os pesquisadores ao Brasil e fazer um debate na comissão, instalada no dia 30 de março, para fortalecer a memória dos 350 anos de escravidão no Rio e encontrar formas de reparação pelo Estado brasileiro. “Ou a gente trabalha com um convênio entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Comissão da Verdade e o consulado, ou a gente trabalha com um termo de cooperação técnica. São os dois instrumentos. Na semana que vem, acertaremos esses detalhes”, adiantou.

Marcelo Dias informou que o pedido de cooperação foi encaminhado ao Consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, mas ainda não há data marcada para a reunião com os representantes do governo americano. Além disso, o consulado de Angola, também na cidade, já se dispôs a colaborar com informações para favorecer o resgate histórico daquele período. “Um grande contingente de africanos escravizados no Brasil veio de Angola”, comentou.

Para ele, as pesquisas vão contribuir para identificar de que países africanos vieram as pessoas escravizadas no Brasil, e em quais portos chegaram. Ele destacou que o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, foi a principal porta de entrada para navios negreiros no país. “O Cais do Valongo foi a região das Américas onde chegou o maior número de africanos escravizados. Então, isso é muito importante. É uma demonstração de que o Rio de Janeiro foi uma região central para a consolidação do sistema escravagista no Brasil”, analisou.

A pesquisa da instituição americana inclui dados obtidos nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Brasil e em países africanos, e indicam que somente no Rio de Janeiro chegaram cerca de 2 milhões de escravos africanos, entre 1500 e 1856. “Foram 10 milhões nas Américas e para o Brasil vieram 40%”, completou.

Na avaliação do procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro, Wilson Prudente, que é relator das comissões Estadual e Nacional da Verdade, a pesquisa americana vai complementar as informações de um conjunto de obras já publicadas no Brasil sobre o período da escravidão. “O que queremos são informações complementares para que possamos reportar os estudos os quais já temos um direcionamento para eles. Os dados que ainda nos faltam vão servir para caracterizar o crime de escravidão”, disse.

O procurador acrescentou que um ponto importante nas investigações será o efeito econômico provocado pela escravidão. Segundo ele, esse levantamento não foi feito até agora, embora já existam alguns estudos. “O que nos falta é a dimensão da repercussão econômica em favor do Estado brasileiro. O tributo era pago pelo adquirente do escravo. A pessoa pagava tributo como hoje se vai comprar uma cerveja, um refrigerante ou qualquer objeto e se paga ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. Era como se fosse o ICMS da era imperial. Um tributo já previsto na comercialização de pessoas”, comparou.

Wilson Prudente também pretende conseguir com o Vaticano informações sobre os batismos de africanos. “A Igreja tem um largo registro de escravos, e isso é uma questão importante em matéria econômica porque eles eram obrigados a ser batizados, e os traficantes pagavam pelos batismos, portanto a Igreja tem um registro significativo sobre isso”, avaliou.

Edição: Stênio Ribeiro.

Imagem: A tela de Jean-Baptiste Debret retrata escravos e soldados na região da Praça Quinze (RJ), uma das mais movimentadas – Divulgação/Museu Chácara do Céu / reprodução

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.