‘Me calar é cômodo para o agressor’, diz estudante negro ofendido na web

Matheus teve foto alterada e publicada anonimamente em site de imagens. Ele participou de projeto que debate o racismo e as cotas na UnB

Ana Carolina Moreno – Do G1, em São Paulo

Um álbum de fotos anônimo em um site de compartilhamento de imagens Imgur surpreendeu a estudante Lorena Monique dos Santos, de 21 anos, que produziu um projeto de fotografias para debater o racismo e a política de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). No álbum, publicado no fim de semana, fotos feitas e publicadas por ela com estudantes negros e negras da instituição, mostrando frases que eles criticam pelo teor racista, foram modificadas sem sua autorização. As montagens trocaram as frases originais por outras frases de teor ofensivo contra os participantes do projeto.

Um deles é Matheus Henrique Ramos, estudante de matemática. Em sua frase original, ele citou um comentário recorrente que recebe por manter os cabelos no estilo black power. Na montagem anônima, são justamente seus cabelos os alvos da ofensa preconceituosa.

Batizado de “Ah, branco, dá um tempo”, o projeto de Lorena fez parte da disciplina de antropologia social. As imagens debatem frases que negros e negras ouvem com frequência e consideram preconceituosas, em uma tentativa de levantar o debate sobre a aceitação dos negros dentro da universidade.

‘Quase desisti’
Matheus falou ao G1 na tarde desta quinta-feira (2), e confessou que, quando foi convidado a participar do projeto, chegou a pensar em desistir, justamente por considerar os efeitos negativos que poderia sofrer com a exposição. “Prontamente aceitei, logo em seguida me veio à cabeça como seriam os comentários, o que poderiam fazer com as fotos, já que iam para a internet. Pensei mil coisas e quase desisti”, disse ele.

Porém, o estudante considerou que a sua expressão valeria a pena, mesmo correndo o risco de sofrer discriminação e ser vítima do crime de racismo. “Isso foi inquietante, pensar em não me expressar, em não ser quem sou para não incomodar os outros. Percebi que me calar é mais cômodo apenas para o agressor.”

Apesar de lamentar o episódio ofensivo, ele acredita que a reação agressiva ao projeto mostra a necessidade de expandir o debate sobre racismo no Brasil. “Tenho muito orgulho de ter participado deste projeto. O que fizeram com essas fotos mostra o que muitos escutam calados todos os dias em suas salas de aula, ambientes de trabalho, na rua. Evidencia ainda mais a necessidade de debater e enfrentar o problema.”

Para Matheus, as montagens ofensivas “respondem àqueles que dizem que o racismo não existe, que isso é coisa da sua cabeça, que somos todos iguais”.

Autora denunciou ofensas
Lorena Monique, a autora do projeto e do blog com as fotos originais, denunciou as montagens ofensivas em seu perfil no Facebook. “Essas fotos só comprovaram o que eu já sabia: o racismo é um câncer. Nunca pedi que concordassem com essa campanha. Na verdade eu nem ligo, se antes perseguiam os negros e negras, hoje eles nos ridicularizam de várias formas: nada mudou!”, reclamou ela, pedindo que as pessoas denunciassem a página.

“Sinto que somos vistos, sinto que causamos desconforto e isto é um bom sinal”, escreveu ela nesta quinta, em um segundo post sobre o assunto.

Site proíbe conteúdo de ódio e racista
O site Imgur foi fundado em 2009 por um então estudante da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, e permite a publicação de imagens sem a divulgação da autoria. Porém, em seus termos de uso, o serviço proíbe conteúdo que incite o ódio ou a discriminação. “Não carrege materiais nojento, obscenidade, publicidade, solicitações [de prostituição], ‘discurso de ódio’ (como os que discriminam raça, gênero, idade, religião ou orientação sexual etc.), ou material que contém ameaça, assédio, difamação ou que encoraja ilegalidade”, diz trecho das normas dos usuários.

Também é proibida a publicação de imagens se autorização dos detentores dos direitos autorais.

Para subir arquivos, não é obrigatório fazer um cadastro ou fornecer dados pessoais, mas o usuário deve concordar com os termos do serviço. O site também oferece a opção de denunciar e pedir a remoção de imagens.

Procurada pelo G1 por e-mail, a equipe de relações públicas do Imgur não informou se as publicações anônimas têm registro do IP do computador de origem e se o site recebeu o pedido de remoção das imagens. Até o fim da noite de quinta (2), o álbum com as 17 fotografias ainda estava no ar, e já tinha sido visualizado mais de 2 mil vezes.

Matheus Henrique Ramos, estudante da UnB, participou de projeto que debate o racismo na universidade (Foto: Divulgação/Lorena Monique dos Santos)

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