Nota Pública de Terre des Hommes Brasil: Pela Manutenção da Idade Penal e pelo fortalecimento do Sistema Socioeducativo

Terre des hommes no Brasil, organização não governamental sem fins lucrativos com mais de 30 anos de atuação no país em prol dos direitos da Criança e do Adolescente, vem a público, em face da atual movimentação legislativa em torno da revisão da idade penal no Brasil, manifestar sua expressa discordância com qualquer proposta que reduza a maioridade penal, bem como afirmar, veementemente, sua posição pela manutenção da idade penal no Brasil em 18 anos, bem como pelo fortalecimento do Sistema Socioeducativo no país, tanto na esfera estadual quanto na municipal, pelos motivos que se seguem:

1. A redução da idade penal, comprovadamente, agrava o problema da violência. De 1990 até hoje, vários foram os países que reduziram a maioridade penal(1) na tentativa de reduzir a violência e nenhum obteve sucesso, o que fez com que muitos deles voltassem em aumentar a idade penal, como Itália e Espanha. Pelo contrário, estudos indicam que a violência e a reincidência delitiva aumentou com essa medida – nos Estados Unidos, entre 1990 e 2007, 44 estados reduziram a idade penal. Hoje, devido ao aumento da violência, 42 estados voltaram atrás, ao passo em que Nova York, atualmente, estuda aumentar a idade penal. Nesse sentido, ver as pesquisas de Donna M. Bishop.

2. Endurecer penas NÃO reduz a violência. Historicamente, o aumento da repressão tem se mostrado ineficaz para o tratamento da violência. Mesmo a famosa “Doutrina da Tolerância Zero” – política de segurança pública originada nos EUA que aumentou o número de delitos punidos com prisão e endureceu as penas para todos os delitos – se mostra frágil diante de um olhar mais acurado: Nova York, onde a doutrina nasceu e foi utilizada, experimentou, entre os anos de 1992 e 1997, a mesma queda nas taxas de violência que vivenciou Boston, no mesmo período, com uma política de segurança menos repressiva, baseada na educação e na socialização (Wacquant, 2001, p.18), com um custo social e financeiro muito menor. No Brasil, o exemplo maior é a edição da Lei dos Crimes Hediondos, que endureceu a punição de vários crimes: um ano após sua publicação, o número de homicídios na Grande São Paulo cresceu 25%. Por outro lado, medidas adequadas à fase de desenvolvimento do adolescente e que respeitam seus vínculos familiares e comunitários tendem a ser mais efetivo: pesquisa por Terre des hommes Lausanne no Peru demonstrou que medidas em meio aberto tem uma função ressocializadora maior do que a privação de liberdade, apresentando menores taxas de consumo de drogas e de propensão à violência e maiores taxas de reinserção escolar e melhores perspectivas laborais (Tdh, 2008).

3. Na equação da violência no Brasil, o adolescente NÃO é o principal ator. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os homicídios cometidos por adolescentes representam menos de 1% (Ministério da Justiça, 2014) do total das mortes cometidas no Brasil, enquanto que mais de 36% das vítimas deste mesmo crime são adolescentes. Ou seja, reduzir a violência cometida por adolescentes no Brasil não reduziria, significativamente, o total da violência no país. Em contrapartida, segundo o Índice de Homicídios na Adolescência no Brasil 2012, elaborado pela mesma Secretaria, o número de jovens mortos por armas de fogo é cinco vezes maior do que jovens mortos por outros meios. O contraste entre essas duas informações demonstram que o controle sobre o tráfico e a comercialização de armas de fogo teria um impacto muito maior sobre a redução da violência do que qualquer medida relativa à responsabilização dos adolescentes.

4. O Brasil já possui um sistema de responsabilização de adolescentes autores de violência, é necessário fortalecê-lo. No Brasil, segundo as leis federais 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e 12.594/2012 (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), todo adolescente cuja conduta viola o Código Penal comete um ato infracional e, por isso, é responsabilizado com uma medida socioeducativa. Os diagnósticos feitos pelo Conselho Nacional de Justiça apontam que o Sistema Socioeducativo do Brasil ainda está bastante enfraquecido. Cite-se, por exemplo, o fato de que, até 2010, quase 75% de todas as 320 unidades de privação de liberdade do país não estavam totalmente adequadas aos parâmetros de estrutura física definidos pelas normas brasileiras, e que 16% eram consideradas, de fato, inadequadas (SDH, 2011). Nos locais em que o Sistema Socioeducativo aproxima-se da previsão legal, os resultados são favoráveis: em Belo Horizonte, por exemplo, a reincidência no ano de 2011 foi de 25,8%, segundo o Centro Integrado de Atendimento de Belo Horizonte – MG (CIA-BH, 2012), no Paraná, 22% (Secretaria de Família e Desenvolvimento Social, 2013), números substancialmente menores do que os cerca de 80% de reincidência do Sistema Penitenciário adulto.

Em face do exposto, Tdh Brasil vem a público, declarar seu repúdio à PEC 171/1993 e a toda proposta de endurecimento ou recrudescimento das medidas aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional, posicionando-se, de outra forma, pela manutenção da idade penal no Brasil em 18 anos, e pelo fortalecimento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Nesse sentido, gostaríamos de saudar as iniciativas que propõe, de forma positiva, o aperfeiçoamento deste sistema, tais como o Termo de Cooperação Nacional pela expansão da Justiça Restaurativa, firmado por 15 instituições, entre elas, o Conselho Nacional de Justiça e a Associação dos Magistrados Brasileiros e Terre des hommes, bem como os inúmeros projetos de implementação da JJR espalhadas por todo o país.

Fortaleza, 26 de março de 2015

1 A redução da idade penal, no contexto internacional, equivale ao conceito de “age of criminal majority”: a idade mínima para o adolescente ser encarcerado como adulto e junto com adultos, que, ao redor do mundo, varia entre 18 e 21 anos. Não confundir com o conceito de “age of criminal responsability”, que é a idade mínima para o adolescente ser responsabilizado em sistemas diferenciados, adequados à sua faixa etária, que, na maior parte dos países, é de 14 anos. No Brasil, esta idade é de 12 anos, quando o adolescente pode responder em face do Sistema Socioeducativo. Vê-se, portanto, que a idade de responsabilização no Brasil é menor do que a de países como Áustria, Alemanha, Itália e Portugal.

SAIBA MAIS:
Livros e pesquisas:
 WACQUANT, Löic. AS PRISÕES DA MISÉRIA. São Paulo: Zahar, 2001.
 BISHOP, Donna M. JUVENILE OFFENDERS IN THE ADULT CRIMINAL SYSTEM. Chigago: University of Chicago. 2000.
 CANO, Ignácio e BORGES, Doriam. HOMICÍDIOS NA ADOLESCÊNCIA NO BRASIL – IHA 2012. Rio de Janeiro: SDH. 2014.
 Nexos Voluntários. ESTUDIOS Y ANÁLISIS SOBRE COSTOS/ BENEFICIO ECONÓMICO Y SOCIAL DE LOS MODELOS DE JUSTICIA JUVENIL EN EL PERÚ. Peru:Tdh. 2008.

Relatórios:
 2012: Centro Integrado de Atendimento de Belo Horizonte (CIA-BH), Relatório Estatístico 2009-2011.
 2012: Ministério da Justiça. Relatório Sintético da População Carcerária de Junho de 2012. INFOPEN. Disponível em http://portal.mj.gov.br/.
 2007: ONU. Crime Trends.
 2011: Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei – Levantamento Nacional.

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