Comunidade tradicional no litoral catarinense recebe estudo antropológico visando regularização

Incra/SC

“Quando era criança, plantávamos oito, dez roças de mandioca, comia tudo a base de farinha e também pagava com farinha o armazém. Dava trabalho viver, mas o gosto do meu velho era ver aquele engenho funcionando e hoje eu tento manter isso. Mas fiquei sem um lugarzinho para plantar um pé de capim”. As lembranças de Aurino de Souza e dos demais moradores da Comunidade Tradicional de Agricultores e Pescadores Artesanais dos Areais da Ribanceira, localizada no município de Imbituba (SC), a 90 km de Florianópolis, serão o principal subsídio aos estudos dos pesquisadores que iniciaram na última quarta-feira a elaboração do relatório antropológico da comunidade.

Primeiro passo para o reconhecimento do território, os estudos foram contratados pela Superintendência Regional do Incra em Santa Catarina a fim de obter dados históricos, antropológicos, ambientais e produtivos para avaliar a possibilidade de regularização da área pleiteada pelas famílias.

Na primeira reunião de trabalho com a equipe, a maioria dos participantes exibia, sob o chapéu de palha, cabelos grisalhos e rostos marcados pelo tempo e pelo sol. São agricultores descendentes de famílias que há mais de um século cultivam e processam mandioca nos areais, extraem da mata o butiá para uso na alimentação e artesanato e praticam no mar a pesca artesanal. Entretanto, ao longo dos anos, a comunidade foi sendo expropriada da área ocupada – hoje reduzida a cerca de 10% da original. “Isso aqui todo mundo plantava, uns morriam, deixava para os outros, mas uns e outros começaram a cercar. A gente queria era ficar aqui, mas eles queriam tirar”, relata Ana Cardoso.

Resistência

Marlene Borges, presidente da Associação Comunitária Rural de Imbituba (Acordi) – que reúne cerca de 60 associados que lutam pelo resgate da comunidade -, explica que grande parte da área foi repassada do patrimônio público ao privado em negociações suspeitas e que não levaram em consideração os ocupantes tradicionais. “Apesar disso, quem continuou na posse da terra foi a população tradicional e não o governo e as empresas”, defende. Mas em 2010, a instalação de uma grande empresa reduziu muito a área cultivável, afetando a sobrevivência da comunidade. “Criei seis filhos nessa roça, mas agora não tem mais terra. É pouca”, disse José João Farias.

Hoje, a intenção do grupo, que conta com o respaldo do Ministério Público Federal (MPF), é buscar regularizar a posse tradicional da área. “Ninguém aqui quer terra pra repartir, mas acredito que a terra deve ser de quem trabalha nela e se há lei, iremos conseguir”, argumenta Luis Farias.

Passo a passo

Para contemplar toda a história e as necessidades da comunidade, a proposta, segundo Wladimyr Sena Araújo – antropólogo responsável pelo relatório -, é que o trabalho seja uma construção coletiva, “que tenha o olhar comunitário e também a avaliação técnica”.

A primeira etapa consistirá na realização de entrevistas e reuniões a fim de fazer a elaboração de mapas de uso, ocupação, cultura, entre outros. No período também serão realizadas pesquisas históricas com base em documentos pessoais e oficiais e serão consideradas outras pesquisas já realizadas no local por órgãos públicos e organizações não-governamentais. O prazo para conclusão dos trabalhos é de nove meses. “O Incra estará sempre presente acompanhando os trabalhos da equipe e a expectativa é de que o resultado abra um leque de ações em benefício da comunidade”, conclui Sessuana Paese, chefe da Divisão de Ordenamento do Incra/SC.

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