MG – Homofobia: Jovem é espancada na rua e ainda é detida por tentar se defender

Juliana Baeta, O Tempo

Às vésperas da data em que se comemora internacionalmente o Dia da Mulher, uma garota de 22 anos foi agredida nas ruas de Belo Horizonte. Ela levou uma paulada na cabeça de um homem que a chamou de “sapatão”, entre outras coisas, após ela se recusar a dar dinheiro pra ele comprar cigarros. O crime foi parar na delegacia, e a vítima alega negligência por parte da polícia. Ela chegou a ser detida por um policial militar, que disse que o suspeito havia alegado que ela também o agrediu, mesmo ele tendo se recusado a fazer o exame de corpo de delito.

A chef de cozinha Marília Gabrielle Pereira de Andrade, que trabalha em um restaurante na Savassi, costuma largar o serviço por volta de 3h. Foi na madrugada dessa quarta-feira (4), quando ela voltava para a casa, que houve a agressão. “Eu estava no ônibus conversando com minha namorada no telefone e até comentei com ela que ia desligar, porque ela sabe como é o olhar das pessoas nestas horas. Eu vi esse homem, que tinha uns 50 anos, branco, cabelos grisalhos penteados com gel para trás, de calça jeans e camisa social listrada, entrando no ônibus. Ele começou a discutir com o motorista porque não tinha dinheiro para passagem. Eu desci do ônibus no centro e fui em uma farmácia na rua da Bahia com a Augusto de Lima. A farmácia fica fechada de madrugada, mas tem aquela grade onde podemos fazer os pedidos, eu estava lá porque ia comprar remédio de dor de cabeça pra minha mãe”, lembra.

Foi aí que ela percebeu que o mesmo homem do ônibus  estava subindo a rua da Bahia em sua direção. “Ele me abordou e pediu dinheiro pra comprar cigarro e cachaça, e eu respondi que não tinha dinheiro. Ele disse que eu fui rude com ele, mas eu respondi simplesmente desta forma ‘velho, eu estava trabalhando, não tenho dinheiro não, não tenho nada’, que mesmo tendo soado rude para ele não lhe dá o direito de me agredir.  Aí ele falou ‘você é mó folgada hein sua sapatona’ e começou a me xingar de ‘desgraça’, de todos os nomes que você pode imaginar, disse que ia me esfaquear toda porque eu estava sendo muito folgada”, conta a vítima.

Ainda segundo ela, o suspeito foi a praça da avenida João Pinheiro e começou a assoviar para os moradores de rua, pedindo para eles o ajudarem a agredi-la. “Como eles não deram muita bola, ele deu a volta no quarteirão e eu não o vi mais. Eu estava na porta da farmácia esperando ser atendida, tinha uma senhora na minha frente e um taxista atrás de mim. De repente, eu só senti uma paulada muito forte na cabeça. Esse homem estava com um pedaço de pau de um metro e meio de comprimento nas mãos. Por um minuto eu não senti nada, não me lembro direito o que aconteceu. Quando voltei a mim ele estava me dando mais pauladas no rosto, no pescoço. Eu fechei os olhos e comecei a dar socos no ar, desesperada, tentando me defender. O taxista me pegou, me colocou no táxi e me levou para a Polícia Militar, naquele batalhão que fica na rua da Bahia, em frente ao Maletta”, lembra.

Negligência

Foi a partir daí que a chef de cozinha percebeu que o pesadelo ia demorar ainda mais para acabar. Ela conta que no batalhão, encontrou três policiais militares no local e relatou o ocorrido, juntamente com o taxista, que testemunhou o crime. “A gente falou pra eles que o cara ainda estava ali, e inclusive, ele passou do outro lado da rua nessa hora, ainda me deu um thauzinho. Os policiais disseram que não podiam fazer nada porque só estavam eles lá e não podiam deixar o batalhão. Tive que chamar por telefone a polícia e pedir uma viatura para prender o homem”, explica.

Um outro suspeito chegar a ser detido, mas não era o agressor de Marília Gabrielle. Se tratava de um homem que havia assaltado uma mulher no mesmo local onde aconteceu a agressão, naquele dia, e tinha as características semelhantes. Pouco depois, outro homem foi levado à polícia e a vítima o reconheceu como sendo o agressor.

“O policial perguntou pra ele se ele me conhecia e ele disse que sim, que já tinha ‘batido nessa desgraça’. Mas os policiais não conseguiram finalizar a minha ocorrência porque disseram que o sistema estava fora do ar. A princípio, eles queriam registrar a minha ocorrência como injúria, porque o homem tinha me chamado de ‘sapatão’, mas obviamente isso foi o de menos, eu sou homossexual mesmo. Os policiais ficaram conversando entre si por um bom tempo sobre como enquadrar a minha ocorrência, e eles queriam colocar no máximo lesão corporal, ao invés de tentativa de homicídio. Mas lesão corporal é briga de escola, né?”, relata.

Depois de passar um bom tempo esperando no batalhão, a vítima relata que foi transferida três vezes de delegacia. Depois disso, um policial a levou no hospital de Pronto-Socorro João XXIII, onde ficou com um pedaço de madeira alojado na cabeça de 4h às 10h, até ser retirado e o médico dar pontos nos ferimentos. Foi quando ela recebeu a ligação de um dos policiais militares que haviam atendido a ocorrência. “Ele ligou no meu celular, que estava no boletim de ocorrência, e disse para eu esperar na porta do hospital porque uma viatura ia me buscar. Eu pensei que seria alguma coisa boa, mas quando chegou, ele disse que estava me levando detida também porque o homem havia alegado que eu havia batido nele quando eu dei socos no ar tentando me defender. Mesmo que eu tivesse acertado ele – e eu não acertei – isso seria legítima defesa. O policial estava me levando presa mesmo o homem tendo se recusado a fazer o exame de corpo de delito para provar a agressão”, conta.

Ao voltar para a delegacia, a vítima relata que o suspeito estava dormindo na cela. “E eu estava chorando de dor, e disse que precisava deitar. O policial arrastou uma cadeira quebrada junto a outra e falou pra eu encostar ali. A impressão que eu tive o tempo todo é que ele estava atrasando a ocorrência. Uma hora até a delegada perguntou o que eu estava fazendo lá ainda passando mal desse jeito, falou pra ocorrência ser finalizada rápido pra levar pro juizado especial”, diz.

O resultado foi uma ocorrência comum de agressão. “Quando eu insisti com o policial militar, que era tentativa de homicídio e que eu não sabia porque estava sendo presa, já que agi em legítima defesa, ele disse que no Brasil é assim que as coisas funcionam. Ainda falou: ‘welcome to Brazil’. Eu só consegui sair da delegacia e finalmente ir pra casa descansar às 15h, depois que liguei para o meu pai”, lembra.

Um dos policiais que atenderam a ocorrência, o sargento Arles, citado pela vítima como “um dos policiais militares que foram gente fina com ela”, conta que não houve negligência por parte da Polícia Militar.  “A ocorrência que eu fiz foi uma ocorrência normal de agressão, levei ela no Pronto Socorro, e deixei o suspeito preso na delegacia. Em nenhum momento houve negligência, atendemos prontamente, eu inclusive citei na ocorrência que ela havia sido vítima de homofobia. Eu deixei o homem preso à disposição do delegado e depois saí de lá e fui embora, por causa da troca de turno”, conta.

Já a Polícia Civil informou que o caso foi registrado na Central de Flagrantes 2, e que foi feito um auto de prisão em flagrante, enquadrado em uma combinação do artigo 140 (injúria) e o artigo 14 (crime consumado) do Código Penal. O suspeito foi encaminhado para o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional e o caso será investigado pelas 4ª Delegacia do Centro de Belo Horizonte.

Foto: Após passar pelo hospital, vítima conta que ainda foi “detida” (Arquivo pessoal)

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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