Aracruz Celulose destruiu a água com seus plantios de eucalipto no norte capixaba

Em Conceição da Barra e São Mateus, empresa recorre até a fonte preservada por quilombola, povo de quem usurpou a terra

Ubervalter Coimbra, Século Diário

A Aracruz Celulose (Fibria) apossou-se inteiramente dos sistemas de águas da região de São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado, para emprego nos replantios e plantios de seus eucaliptos. Diariamente, seus caminhões-pipa recorrem as mais diferentes fontes de água. Essa região a qual ela recorre, praticamente perdeu os seus principais mananciais de água. Pelo desmatamento e pelos efeitos do eucalipto, que cobre mais de 80% do seu vasto território agrícola.

Uma visão dessa drástica situação está em uma nascente ainda preservada na pequena propriedade de Manoel Pedro Serafim, a 15 quilômetros da sede de São Mateus. Protegida por uma mata de seis alqueires, ela transformou-se na principal fonte de abastecimento de água de toda a região e, principalmente, da própria Aracruz Celulose (Fibria).

Que pode até parecer uma contradição, a empresa recorrer à água do seu principal inimigo combatente. Mas Serafim responde dizendo que a água nasce no seu terreno, mas prossegue até o rio Cricaré. Nesse trajeto, muitos se apossam desta água. Dá o exemplo da fábrica de ônibus da Marcopolo, erguida próximo à BR-101. Utilizou-se dessa água em toda a sua fase de construção.

A Aracruz Celulose retira do córrego formado por Serafim cerca de 50 caminhões-tanque, diariamente. Cada caminhão pegando, em média, 25 mil litros, o que totaliza 1,25 milhão de litros diários de água.

Mas dado à grande necessidade do replantio dos eucaliptos, é preciso recorrer também a outros mananciais. Mas os córregos na região, além de abatidos pelo veneno, tiveram os seus volumes de água enormemente reduzidos. Com a qualidade da água ficando impraticável para o seu emprego no replantio e plantio dos seus eucaliptos.

Uma ideia dessa crise de água, capaz de ocorrer em um futuro muito próximo e que vai prejudicar a própria Aracruz Celulose (Fibria), está no exemplo do trágico fim de uma das principais lagoas da região. Que era mais do que uma lagoa, já que era formada de três lagoas: a do Muriá, do Cágado e do Mulato. No seu leito, não há sequer mais um pingo de água. Está literalmente seca, servindo agora ao para plantio de eucalipto.

E os grandes mananciais da região, como os rios Cricaré, como é chamado o São Mateus em sua foz, e o Itaúnas, também estão entre os que apresentam risco de tragédia, produzida pelo desmatamento com contribuição do eucalipto. Seus leitos estão em adiantado processo de assoreamento. Captar água nela agora só por ocasião das marés baixas. Nas cheias, a água salgada os invade a 30/40 quilômetros acima da foz.

O que demonstra a inviabilidade de suas águas serem correntemente usadas nos replantios e plantio dos eucaliptos. Há também ainda rios de menor porte, como o São Domingos, na região de Conceição da Barra, tendo suas águas captadas pela Aracruz Celulose.

Cercada de favores que vem do tempo da ditadura militar e dos governos biônicos da época no Espírito Santo, a Aracruz Celulose (Fibria) continua beneficiada pela total omissão do governo do Estado em fiscalizar sua atuação. Até os comitês de bacia dos rios Itaúnas e Cricaré deixaram de se reunir há tempos. Se atuantes, os comitês teriam que ser contra a empresa.

Mas essa crise da água chega até as populações em torno de seus eucaliptais. Privadas das águas dos córregos e dos rios, o único recurso que restou foi recorrer à água no subsolo. O que em breve tempo a tornaria inviável pela profundidade que ela chegou. Com o rebaixamento do lençol freático, vítima principalmente pela necessidade no crescimento do eucalipto, a água agora só é alcançada a partir de, praticamente, 100 metros de profundidade.

A grande profundidade do lençol freático é prova inconteste de que o eucalipto consome um mundo de água e a busca a grandes profundidades.

Como os poços artesianos são caros, a situação chegou a um tal ponto que as comunidades perderam, por recursos próprios, a condição de captar água para as suas necessidades básicas. Aí entrou a empresa pra propor fazer os poços artesianos mediante um acordo de boa convivência entre as partes. Sem maiores exigências que não fosse as suas entidades não usarem nela o nome quilombola.

Mas como negar a própria identidade e deixar de lado a luta contra a Aracruz Celulose (Fibria) pela retomada de seu território, um mundo de terras (cerca de 50 mil hectares), que a empresa tomou à força ou comprou a preços vis a partir dos anos 60 do século passado?

Pela retomada do território quilombola de Sapê do Norte é que luta a Associação dos Pequenos Agricultores Vizinhos dos Empreendimentos Industriais de Conceição da Barra e São Mateus, criada por Serafim.

As lutas dos quilombolas pela terra e pela urgente tarefa de salvar a água, ainda que seja só para a subsistência, prometem combates ferozes e próximos.

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