Tortura no México torna-se prática institucional e fora de controle

Cristina Fontenele, Adital

Segundo pesquisa recente da Anistia Internacional, 64% da população mexicana teme ser torturada se estiver sob custódia da polícia. Em 2013, foram 1.505 casos de denúncias de tortura e maus tratos no país, representando um aumento de 600% em comparação ao ano de 2003. A tortura seria então um meio necessário e aceitável para obter informações e proteger a população? 67% dos mexicanos acreditam que não.

De acordo com a diretora do Programa Regional da Anistia Internacional para América, Erika Guevara Rosas, “a polícia e os soldados do México estão tão desesperados por encontrarem alguém para culpar pelos delitos cometidos por gangues sem escrúpulos que parecem não pensar duas vezes na hora de deter uma pessoa e extrair-lhe uma confissão a todo custo. Parece não haver limites”.

Calcula-se que, desde 2006, mais de 100 mil pessoas foram mortas em atos violentos relacionados com a delinquência organizada e com operações do exército e membros da marinha na guerra contra o narcotráfico. Pelo menos 23 mil estão desaparecidas, de acordo com dados oficiais. Milhares de comunidades foram deslocadas pela violência crescente.

A tortura é uma ferramenta utilizada frequentemente durante as investigações policiais e operações militares como forma de obter informações e confissões de presos e pessoas detidas, simplesmente por estarem no lugar errado na hora errada. A maioria das detenções no México se pratica sem ordem judicial. É o caso, por exemplo, de Rogelio Amaya de Ciudad Juaréz (Chihuahua-México) que, em 11 de agosto de 2010, juntamente com mais quatro amigos, foram detidos repentinamente com violência e tiveram que confessar, sob tortura, que faziam parte do cartel La Línea para ajudar a instalar um carro bomba que matou dois agentes de polícia.

“Eu sempre lhes disse que não havia participado do carro bomba, mas seguiam nos golpeando e torturando. Logo, tive que padecer três anos e sete meses sob essa acusação. Três anos e sete meses longe da minha família, sentindo muita impotência. Sem poder ver meus filhos crescerem. Foi muito doloroso.”, desabafa Rogelio.

Em entrevista a Adital, o Padre Jesús Mendoza Zaragoza, da Província de Acapulco (México), comenta sobre o contexto de violência institucional no país e a atuação dos órgãos públicos.

Sobre o emprego da tortura nas operações policiais e militares como instrumento de repressão das instituições públicas mexicanas, Zaragoza avalia que atortura ainda segue sendo uma prática comum das polícias e das autoridades que são responsáveis pela justiça no México e, especialmente, no Estado de Guerrero. Tortura psicológica e física são empregadas, sobretudo, contra os detidos que provêm da luta social. E, até o momento, não há nenhum sinal de que se detenha essa prática, nem com legislações adequadas nem nas práticas de investigação do crime.

Por trás desse contexto de violência institucional, o Padre afirma que as instituições são cooptadas pela corrupção e não estão voltadas para a justiça, mas sim para protegerem interesses alheios, incluindo os cartéis da droga. Zaragoza destaca um sistema de justiça carente de profissionalismo e de qualquer sentido dos direitos humanos. Essas instituições cumprem mais objetivos políticos que tarefas de prestação e administração da justiça.

O combate à tortura no Estado de Guerrero tem sido débil e insuficiente. Sobre asações dos movimentos sociais e pastorais, Zaragoza acrescenta que há organizações sociais, como o Coletivo contra a Tortura e Impunidade, que tem isso em sua agenda e vem mobilizando outras organizações para tornarem visível esse problema e promoverem uma legislação adequada para impedir que seja agravada a situação. A Igreja tem denunciado, em algumas ocasiões, a prática da tortura, mas não realiza ações contundentes para exigir uma solução a fundo.

Na visão do sacerdote, a população tem uma grande desconfiança e, até mesmo, desprezo pela polícia que, em sua maioria, não é profissional nem respeita os direitos humanos. O sacerdote se refere às polícias municipais e estatais, e polícias ministeriais acima de tudo. Também as polícias federais e os militares têm cometido abusos em sua luta contra o narcotráfico. Porém, a população não denuncia por temos a represálias.

Entre os métodos mais utilizados de tortura estão: a semiasfixia, espancamentos, simulações de execução e desaparecimento forçado, violência sexual, ameaças de morte, choques elétricos e ameaça contra as famílias dos detidos. Segundo a pesquisa da Anistia Internacional, a maioria das detenções no México é praticada sem ordem judicial, sob a alegação de flagrante. Em 2013, das 47.619 detenções por delitos federais, 42.080 foram executadas sem ordem judicial.

A tortura é empregada também para humilhar, castigar, impor temor e obter dinheiro mediante extorsão. As autoridades têm ignorado e até mesmo permitido, tacitamente, a tortura e os maus tratos, considerando a estratégia como necessária. Nos últimos anos, os cartéis têm se aliado a funcionários públicos, o que representa um desafio à justiça.

Foto: População não confia nas instituições públicas e no governo federal (Opera Mundi)

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