Terras indígenas podem ficar nas mãos de um Congresso ruralista

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“Eu só quero perguntar: vocês vão decretar hoje aqui a morte de 900.000 indígenas desse país?”. O questionamento foi feito a deputados na quarta-feira da semana passada por uma das poucas índias que conseguiu furar o bloqueio de segurança que resguardava a votação da PEC-215, uma Proposta de Emenda à Constituição que pode mudar radicalmente a forma como as terras indígenas são demarcadas e utilizadas no país. E nesta terça-feira, ela pode ser aprovada pela comissão criada para apreciar o texto, o que significa estar a um passo de ser aprovada também pela Câmara e se transformar em lei

Marina Rossi e Talita Bedinelli – El País

A proposta, alvo de discussões que chegaram a acabar em troca de empurrões e puxões de cabelo, estava para ser aprovada em uma comissão especial da Câmara dos Deputados na semana passada e corria o risco de seguir para a aprovação no plenário, o que pode, segundo os índios, levar o “caos” ao país. Ela tira das mãos da Fundação Nacional do Índio (Funai) a prerrogativa de pedir ao Executivo a demarcação de terras, que passaria a ser decidida pelo Congresso. Para as entidades indígenas, isso paralisaria as demarcações, que não são de interesse do grande bloco de deputados ligados aos grandes produtores rurais. Atualmente, os índios reivindicam 1.000 novas aldeias, diz o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Proposta no ano 2000, a PEC debuta no Congresso, mas, sob pressão dos parlamentares ruralistas, avançou rapidamente desde o ano passado, com a criação de uma comissão para discutir o texto. E neste período seu teor só piorou. No mês passado, o relator da comissão, deputado Osmar Serraglio (PMDB), incluiu novas propostas em um substitutivo: além de passar a atribuição das demarcações para o Congresso, o texto afirma que os Parlamentares poderão autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e minerais nas aldeias sem que os índios sejam, necessariamente, consultados. Também veta a demarcação de áreas ocupadas por pequenas propriedades rurais, mesmo que as que forem reivindicadas pelos índios por terem sido ocupadas por seus ancestrais.

“Se ela for aprovada, ocorrerá o extermínio das populações indígenas e quilombolas do Brasil”, disse Dinama Tuxá, da comunidade de Rodelas, na Bahia, na semana passada em Brasília. A cada indício de votação, grupos de índios se aglomeram no Congresso, para pressionar os Parlamentares pela rejeição da proposta. “É um grupo de baderneiro, esse povo que é trazido pra cá para protelar a discussão”, reclama o deputado Luís Carlos Heinze, membro da comissão e presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, favorável à aprovação da PEC. Ele chegou a ter os cabelos puxados na última terça-feira, durante uma das sessões da comissão, que acabou adiada novamente.

Para os ruralistas, que são 14 dos 21 deputados que fazem parte da comissão especial, a aprovação do projeto traria mais transparência ao processo de demarcação das terras. “A Funai começou a demarcar terras de forma exacerbada e com laudos fraudulentos”, acusa o deputado Nilson Leitão (PSDB). Procurada, a Funai não se pronunciou a respeito. Para os que se opõem à mudança, ela seria um retrocesso aos direitos indígenas. “A comissão especial foi criada majoritariamente por representantes desse segmento do agronegócio atrasado”, disse o deputado Sarney Filho, do PV, membro da comissão. “E essa é uma proposta reacionária, atrasada e que vai seguramente contra os interesses do Brasil e da sociedade”, disse.

Ao longo dos últimos anos, a votação da Proposta entrou e saiu da agenda dezenas de vezes. E na semana passada, mais um capítulo dessa novela será escrito em Brasília. Agendada para ser votada pela comissão na terça-feira, dia 9, o segundo agendamento só no mês de dezembro, a votação foi cancelada pela manhã. Na parte da tarde, Leitão, que é o vice-presidente da comissão, convocou novamente os parlamentares para debaterem o texto. Mas a votação foi obstruída por diversos pedidos dos parlamentares contrários à PEC, como a exigência da leitura de atas de reuniões. Nesta terça-feira, dia 16, a novela seguirá.

A estratégia desse grupo de deputados é tentar empurrar a discussão para o ano que vem. Caso isso aconteça, uma nova comissão deverá ser montada na próxima legislatura. “Aí vamos trabalhar para disputar mais espaço na composição da próxima comissão”, explica o deputado Jean Wyllys (PSOL).

O Governo federal já se manifestou algumas vezes contra a aprovação da PEC-215. No ano passado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que ela é inconstitucional. “Expressamos, em nome do Governo, a posição contrária à aprovação da PEC-215, por entender que ela é inconstitucional. Ela fere cláusulas pétreas da Constituição”, disse Cardozo. “Não resolve o problema [das demarcações] e gera situações de conflitos que precisam ser resolvidas. Demonstramos que, se o Congresso aprovar a PEC, ela não sobreviverá no Supremo Tribunal Federal.”

Em outubro do ano passado, a presidenta Dilma Rousseff reforçou a posição do Governo em sua conta no Twitter: “Orientei a base do Governo a votar contra a PEC”, escreveu, antes de mais uma das sessões de votação agendadas. O deputado Sarney Filho diz que, do lado dele, é feito o possível. “Usamos todos os meios para que a votação não ocorra, porque se ela ocorrer, podemos perder”, disse. Faltam menos de duas semanas para o Congresso entrar no recesso de fim de ano.

A estratégia de adiar a votação para o ano que vem, porém pode levar a um resultado desastroso para os defensores dos direitos indígenas. A bancada dos deputados ruralistas deve aumentar de 191 para 257 parlamentares.

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