Ação penal pela morte e desaparecimento de Rubens Paiva deve prosseguir, sustenta PGR junto ao STF

PGR
Janot argumenta que sequestros cujas vítimas não tenham sido localizadas, vivas ou não, constituem crimes de natureza permanente, sendo imprescritíveis e insuscetíveis de anistia

MPF – PGR

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu que a ação penal na qual cinco militares reformados são acusados pelo homicídio e pela ocultação de cadáver do ex-deputado Rubens Paiva deve prosseguir. A manifestação, enviada ao STF nesta segunda-feira, 15 de dezembro, consta de parecer na Reclamação 18.686/RJ ajuizada pelos militares, que sustentam ser indevida continuação da ação por ofensa à decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153/DF, que decidiu pela recepção constitucional da Lei da Anistia (Lei 6683/1979). Janot pede, ainda, urgente apreciação do caso, em razão de haver pendência de produção de provas necessárias à comprovação dos fatos criminosos.

Os réus são acusados dos crimes de homicídio doloso qualificado – cometido por motivo torpe e com emprego de tortura -, ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada.“Torturas, mortes e desaparecimentos não eram acontecimentos isolados no quadro da época, mas a parte mais violenta e clandestina do sistema organizado para suprimir a todo custo a oposição ao regime, não raro mediante ações criminosas cometidas e acobertadas por agentes do Estado.” À época de seu cometimento pelo regime autoritário, relembra o parecer, esses delitos já eram qualificados como crimes contra a humanidade, razão pela qual devem sobre eles incidir as consequências jurídicas de imprescritibilidade e insuscetibilidade à concessão de anistia.

Natureza permanente – Na sustentação enviada ao STF, o procurador-geral argumenta que sequestros cujas vítimas não tenham sido localizadas, vivas ou não, constituem crimes de natureza permanente. Essa condição afasta a incidência das regras penais de prescrição e da Lei da Anistia, cujo âmbito temporal de validade compreendia apenas o período de 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. “Enquanto os acusados não apontarem onde se encontra o corpo de Rubens Paiva, cuja família até hoje, depois de décadas de seu assassinato, não lhe pôde dar funeral adequado, a conduta de ocultar ocorrerá”, argumenta e complementa: “Delitos perpetrados por agentes estatais com grave violação a direitos fundamentais constituem crime de lesa-humanidade.”

Corte Interamericana de Direitos Humanos – Segundo Rodrigo Janot, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já reconheceu ser indevida a extinção, pela Lei da Anistia, da punibilidade de agentes envolvidos em graves violações a direitos humanos no período pós-1964, sob fundamento da prescrição de pretensão punitiva do Estado. O Brasil promulgou a Convenção, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, por meio do decreto 678, de 1992. Posteriormente, reconheceu como obrigatória a competência da CIDH em todos os casos relativos à interpretação e aplicação do Pacto. Por isso, as decisões da Corte têm força vinculante para todos os poderes e órgãos estatais brasileiros, sustentando a obrigação do Estado brasileiro de promover a persecução penal de autores de graves violações a direitos humanos, inclusive nos casos de desaparecimento forçado de pessoas, crime de caráter permanente.

Em 24 de novembro de 2010, a CIDH condenou o Brasil após deliberar sobre o caso envolvendo 62 dissidentes políticos brasileiros desaparecidos entre 1973 e 1974 no sul do Pará, no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. “A sentença do caso Gomes Lund vs. Brasil é cristalina quanto ao dever cogente do Estado brasileiro de promover investigações e responsabilização criminal dos autores desses desaparecimentos”, argumenta o PGR. A decisão é vinculante para todo o Estado, mas não vem sendo observada. Diversas ações penais promovidas pelo Ministério Público Federal (MPF) contra autores de crimes graves do período da ditadura têm sido impedidas por decisões judiciais que não consideram os efeitos da sentença da Corte IDH no caso Gomes Lund. Essas decisões usam argumentos ligados à prescrição e à aplicação da Lei da Anistia.

“É possível compatibilizar a decisão do STF na ADPF 153/DF com a da CIDH no caso Gomes Lund”, defende o procurador-geral, concluindo que “os crimes cometidos por agentes da ditadura militar brasileira no contexto de ataque sistemático ou generalizado à população civil são imprescritíveis e insuscetíveis de anistia, seja por força da qualificação das condutas como crimes contra a humanidade, seja em razão do caráter vinculante a sentença do caso Gome Lund”, conclui.

Segundo o procurador-geral, não parece a melhor solução que, tendo o Brasil aceitado a jurisdição da Corte Interamericana por ato de vontade soberana regularmente incorporado ao ordenamento jurídico e se comprometido a cumprir as decisões dela, deixe de considerar a validade e a eficácia da sentença. “Isso significaria flagrante descumprimento dos compromissos internacionais do país e do mandado constitucional de aceitação da jurisdição do tribunal internacional”, complementa.

ADPF 320/DF – Em agosto deste ano, o procurador-geral enviou parecer ao STF no qual defendeu a revisão da aplicação da Lei da Anistia. Na manifestação, recebida pela Suprema Corte no dia do 35º ano de existência da lei, Janot sustentou que graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar são crimes contra a humanidade e, por isso, imprescritíveis. Segundo Janot, a Lei da Anistia deve ser inaplicável aos autores de crime continuados ou permanentes, não exauridos após a entrada em vigor da lei e impossibilidade de reconhecimento da causa de extinção da punibilidade aos crimes de graves violações de direitos humanos.

Justiça de Transição – Desde 2012, o MPF realiza esforço coordenado para dar cumprimento à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund vs Brasil. A sentença determina ao Estado brasileiro, entre outros pontos, a investigação penal, a responsabilização e a aplicação das sanções cabíveis aos autores de crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura militar. Este trabalho recebeu menção honrosa em 2013 no Prêmio Innovare e foi reconhecido em novembro com o prêmio por Realização Especial (Special Achievement Award) na conferência anual da International Association of Prosecutors (IAP).

Leia a íntegra da manifestação.

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria Geral da República

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