Trabalhadores, indígenas e camponeses debatem relatório da CNV

Camponeses em luta: comissão apresentou ontem relatório sobre violações de direitos no campo (WIKIMEDIA COMMONS)
Camponeses em luta: comissão apresentou ontem relatório sobre violações de direitos no campo (WIKIMEDIA COMMONS)

Comissão Camponesa da Verdade (CCV) apresenta relatório sobre casos de violações de direitos no campo durante a ditadura e destaca que jagunços e pistoleiros muitas vezes agiam em nome do estado

Michèlle Canes, da Agência Brasil

Representantes de trabalhadores, indígenas e camponeses estiveram ontem (11) na Câmara dos Deputados para participar do 13º Fórum Legislativo Nacional de Direitos Humanos: pelo Direito à Memória, à Verdade é à Justiça, com o objetivo de debater as recomendações e conclusões do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Durante o evento, a Comissão Camponesa da Verdade (CCV), composta por organizações e movimentos ligados à luta pela terra, apresentou relatório sobre as violações de direitos no campo durante a ditadura militar. Nicinha Porto, membro da CCV, disse que o material aponta, além das violações e vítimas, questões que precisam ser observadas quando o cenário é o meio rural, por exemplo, a figura de quem agia contra os camponeses.

Muitas vezes, segundo ela, particulares agiam em nome de agentes do estado. “Não necessariamente estava presente no ato físico da repressão, o delegado de polícia ou um policial fardado. Mas estavam presentes pistoleiros, jagunços. É esse conceito de agente do Estado que precisa ser observado.”

Ela explicou que o relatório traz cerca de 30 recomendações. Além de pedir o reconhecimento dos camponeses que sofreram violações na ditadura, o documento traz pospostas de políticas públicas como a de reforma agrária. “As violações relacionadas ao campo têm relação direta com o processo de posse da terra, então a reforma agrária é uma causa estrutural para se solucionar a violência de hoje, e ela foi a grande bandeira do passado.”

A representante da CCV elogiou o trabalho da CNV e o fato de o relatório apresentar um capítulo dedicado aos camponeses, mas ressalta que, segundo o estudo da CCV, mais de mil camponeses foram vítimas da ditadura. Muitas dessas pessoas não foram incluídas no relatório final da CNV, que apresenta apenas 434 vítimas. Para Nicinha, a falta de pesquisa e de informações sobre os casos pode ter sido a causa da baixa inclusão, já que em alguns casos a ligação com a ditadura não teria ficado clara, parecendo ser apenas disputa por terra.

Outra participante do encontro, a representante indígena Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, também elogiou o fato de o relatório da CNV trazer textos específicos sobre os índios, mas ressaltou que poucas das recomendações sugeridas foram colocadas em destaque no texto. “Uma das nossas recomendações foi incorporada nas recomendações gerais do relatório, as demais constam no capítulo, no corpo do texto, e passam despercebidas”. A recomendação aceita tem relação com a demarcação de terras.

Sônia Guajajara conta que os indígenas também elaboraram um relatório com casos ocorridos durante a ditadura militar e acha que é preciso dar visibilidade às questões. “Foi exatamente no período da ditadura que houve o maior roubo de terras indígenas, o que intensificou o conflito pela demarcação de terras. Hoje, para nós, povos indígenas, o maior reparo que queremos do Estado é a regularização dos territórios indígenas para os povos deste país”. O movimento vai solicitar a criação de uma comissão específica para os povos indígenas.

Os casos que envolvem violações de direitos de trabalhadores também foram lembrados. Sebastião Neto, do Grupo de Trabalho Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical da CNV, disse que o material incluído no relatório é consistente, e traz muitos dados sobre empresas que estiveram envolvidas com o regime militar. “É difícil você falar uma empresa grande que não esteve envolvida”.

Além das investigações, o grupo apresentou recomendações importantes, que vão além da punição dos responsáveis por torturas, militares ou não. “Também [abrangem] os civis, inclusive das empresas que colaboraram com a repressão. A segunda [questão] que a gente pede é a desmilitarização das polícias militares e uma formação humanista, de direitos humanos. E a terceira, que é uma coisa muito própria nossa, que chamamos de indenização coletiva. Ou seja, as empresas precisam primeiro pedir desculpas para a sociedade e ter uma indenização financeira para a sociedade”, acrescentou.

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