Políticas de economia verde não garantem respeito ambiental e social entre povos amazônicos

Relatório aponta necessidade de unir natureza e sociedade e superar visão de que povos tradicionais estão ultrapassados. Foto: Verena Glass
Relatório aponta necessidade de unir natureza e sociedade e superar visão de que povos tradicionais estão ultrapassados. Foto: Verena Glass

Marcela Belchior – Adital

Políticas de economia verde garantem o desenvolvimento econômico reunido à sustentabilidade ambiental e justiça social, correto? Um estudo de impactos desse tipo de processo produtivo entre povos que vivem em florestas na região amazônica do Estado do Acre, norte do Brasil, afirma que não. Resultado de uma missão de investigação e incidência realizada nos meses de setembro, novembro e dezembro de 2013, o relatório, produzido pela Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, rede formada por 39 organizações da sociedade civil, denuncia um contexto de extrema desigualdade, aprofundado pela falta de acesso à informação das comunidades sobre os processos a serem implantados em seus próprios territórios.

Segundo o documento, muitas comunidades são coagidas a aceitarem propostas externas de maneira opressora, violando sua autonomia. “O drama imposto a essas comunidades é o de duas únicas e perversas opções: a perda da floresta e dos seus territórios e ausência de políticas públicas e os projetos de manejo, bolsa verde ou Redd [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação]”, assevera o documento.

A Plataforma destaca que o Acre é considerado referência mundial na implementação de políticas vinculadas à mitigação da mudança climática. A “economia verde”, nesse sentido, tem sido difundida nos meios oficiais como uma experiência que equilibraria crescimento econômico e preservação ambiental, se sustentando, desde 2010, no Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa), considerado o programa de redução de emissões de gases por desmatamento e degradação mais avançado do mundo. Entretanto, a experiência das comunidades que vivem nas florestas aponta para outra realidade.

“Ao visitar projetos de manejo florestal, territórios indígenas e dois projetos privados de Redd em processo de registro no Sisa e ouvir as denúncias dos comunitários, seringueiros e indígenas vinculados aos projetos de economia verde, a missão realizada pela Relatoria de Meio Ambiente constatou uma outra realidade, marcada por impactos sociopolíticos, econômicos e ambientais negativos, em especial sobre os territórios e as populações tradicionais”, aponta a Plataforma. “Dentre outras, foram constatadas violações do direito à terra e ao território e violações dos direitos das populações em territórios conquistados”, indica.

Outro problema indicado pelo estudo, assinado pelas pesquisadoras Cristiane Faustino e Fabrina Furtado, são os conflitos relacionados à economia verde, figurando como fatores de insegurança, tensões e violências, que podem ameaçar a própria integridade física de líderes indígenas, ativistas e membros de organizações da sociedade civil. Segundo o relatório, são comuns as invasões a escritórios e coletivos sociais por conta de suas ações e críticas à economia verde e seus efeitos territoriais.

“Colocam essa questão do aquecimento global como um terror psicológico para as cabeças das pessoas. Como se, com que os seringueiros preservam do bosque, fosse suficiente para resolver o problema do clima do mundo”, afirma Dercy Teles, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, pequena proprietária rural tradicional na plantação de borracha, citada no relatório.

“O impacto da bolsa verde é que se perdem todos os direitos que os povos têm como cidadãos. Perdem todo o controle do território. Já não podem plantar, já não podem fazer nenhuma atividade do cotidiano. Somente recebem um dinheiro para ficar olhando o bosque, sem poder tocá-lo. Então, se retira o verdadeiro sentido da vida do ser humano”, complementa a agricultora.

Nessas circunstâncias, de acordo com o documento, representantes do Poder Público justificariam a política da economia verde como um “esforço institucional” para a gestão socioambiental e o aproveitamento das condições do Estado no enfrentamento de problemas históricos sociais e econômicos. “Espera-se que, com a ‘modernização da gestão pública ambiental’, seja possível inserir o Estado do Acre nos circuitos internacionais da economia verde, que, segundo avaliam, deve crescer de qualquer maneira”, aponta.

O relatório está sendo apresentado na 20ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP20), que se realiza em Lima, capital do Peru, até o próximo dia 12 de dezembro. Além disso, será discutido durante a Cúpula dos Povos Frente à Mudança Climática, que ocorre em paralelo na mesma cidade a partir do dia 9 deste mês.

Entenda a economia verde

Entende-se por “economia verde” o conjunto de processos produtivos (industriais, agrícolas, comerciais, de serviços, dentre outros) que gerem desenvolvimento econômico aliado à sustentabilidade ambiental e social. Por esse conceito, as atividades de produção são executadas com redução de impactos ambientais negativos e evitando degradação ecológica. Especialistas da área argumentam que a economia verde reúne progresso econômico, enfrentamento do aquecimento global e da deterioração dos ecossistemas.

A produção, distribuição e consumo são realizadas com o incentivo de fontes limpas e renováveis de energia, práticas de inclusão social, reaproveitamento de materiais, dentre outras medidas. A transição a uma economia verde tem sido tendência na economia mundial, impulsionada por novos reguladores que incidem na indústria e no consumidor.

Acesse relatório completo em español e em english.

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