Juiz que deu voz de prisão ao não entrar em voo já usou escravos duas vezes, por Leonardo Sakamoto

trabalho_escravo02por Leonardo Sakamoto

Atendentes da TAM receberam voz de prisão do juiz Marcelo Baldochi e foram conduzidos à Polícia Civil, em Imperatriz (MA), na noite deste sábado (6). O motivo: após chegar atrasado, o juiz não foi autorizado a embarcar em um voo que partia para Ribeirão Preto (SP).

De acordo com depoimento de funcionários do aeroporto a este blog e segundo um vídeo que está circulando na rede, inconformado com o que seria um desrespeito ao seu “direito de consumidor”, o juiz mandou prender os trabalhadores. A TAM disse, em nota, que segue os procedimentos de embarque previsto na legislação. O blog não conseguiu contato com o juiz ou com o delegado até o momento de publicação deste post. Os três funcionários foram liberados.

Mesmo tendo sido formalmente abolida, a escravidão está tão enraizada em nossas fundações que ainda rege as relações sociais por aqui. No mundo do trabalho, sabemos quem manda e quem obedece. E as consequências de não seguir à risca os papeis atribuídos a cada um.

Mas, um momento: eu disse “formalmente abolida”. Pois há quem continue sendo flagrado utilizando-se de formas contemporâneas de trabalho escravo. Como o próprio juiz Marcelo Baldochi.

Em 2007, um grupo móvel de fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, resgatou 25 escravos da fazenda Pôr-do-Sol, no município de Açailândia (MA), de propriedade do juiz. Entre eles, havia um adolescente de 15 anos. Os trabalhadores faziam a derrubada da mata e o roço do pasto para o gado, com exceção de duas mulheres, que cozinhavam para o grupo.

De acordo com o relatório, o grupo móvel chegou ao local após denúncia de um fugitivo. O isolamento geográfico, a retenção de salários e a existência de dívida ilegal caracterizaram a situação encontrada como trabalho escravo. Na cantina, os trabalhadores contraíam dívidas com artigos alimentícios e equipamentos de proteção individual, como botas e luvas. As condições de alojamento eram degradantes e insalubres.

Tentou-se punir Marcelo criminalmente, mas as tentativas não têm prosperado. O Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão já chegou a cancelar uma indenização concedida a um trabalhador pelo caso. Marcelo entrou na entrar na “lista suja” do trabalho escravo, que relaciona os que foram flagrados usando esse tipo de mão de obra e que é usada por bancos e empresas para cortar negócios, mas saiu devido a um recurso judicial.

Através de sua atuação como juiz, ele também interferiu em um julgamento de outro produtor, Miguel de Souza Rezende – que já foi flagrado mais de uma vez ao usar escravos em suas propriedades de gado no Maranhão. A ação do juiz, de autorizar a mudança de esfera para o julgamento do réu, foi visto pela sociedade civil e o Ministério Público como danosa ao processo. Pois, possibilitando a consequente extensão do prazo, poderia contribuir com a prescrição do crime contra Miguel.

Enfim, em 2011, uma nova operação guiada por denúncias de trabalhadores resultou no resgate de quatro pessoas em condições análogas às de escravos na fazenda Vale do Ipanema, em Bom Jardim (MA), onde Marcelo criava gado.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.