Mulheres deveriam ganhar mais que homens. Mas é a gente que manda, por Leonardo Sakamoto

por Leonardo Sakamoto

Mulheres deveriam ganhar 10,4% a mais que os homens no Brasil, considerando sua formação, experiência e produtividade em relação à atividade econômica e à posição profissional. O dado faz parte do “Relatório sobre Salário Global”, divulgado Organização Internacional do Trabalho. Contudo, as brasileiras recebem salários 24,4% menores.

Um dos fatores apontados pela entidade das Nações Unidas é a discriminação – aqui muitas vezes travestida de “costume”, “cultura” e “tradição”. Até porque violência de gênero não se manifesta apenas através da porrada, mas possui mecanismos mais sutis.

Outro dado interessante: de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE, homens trabalham fora de casa 42,1 horas/semana e as mulheres 36,1 horas/semana – em média. Mas eles se dedicam a 10 horas/semana a afazeres domésticos e elas 20,8.

Na somatória, dá 52,1 horas/semana para eles e 56,9 horas/semana para elas.

O problema é que trabalho doméstico ainda não é considerado trabalho, mas sim obrigação, muitas vezes relacionado a um gênero que tem o dever de cuidar da casa. Dever este que não está no código genético da humanidade mas foi construído e imposto. E, transformado em tradição e cultura, é abraçado e dificilmente discutido. Como se mulher cuidar da casa e dos filhos fosse a coisa mais natural do mundo.

É sintomático, portanto, que apenas recentemente a Organização Internacional do Trabalho tenha conseguido aprovar uma convenção para igualar direitos para trabalhadoras domésticas em relação ao restante da sociedade. Ou que o Brasil aprovasse uma lei que abrisse uma fresta de luz na senzala das trabalhadoras empregadas domésticas, garantindo a elas os mesmos direitos que o restante da população.

O que levou, é claro, a ranger de dentes da Casa-Grande.

A questão da jornada tripla (trabalhadora, mãe e esposa) é apenas um elemento para corroborar o fato de que vivemos em uma sociedade com um pé no futuro e outro no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices.

Como já disse aqui, temos uma mulher na Presidência. Simbolicamente relevante, politicamente insuficiente, não serve para justificar nenhuma mudança estrutural. São poucas as governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas, vereadoras. Mas também CEOs, executivas, gerentes, síndicas de condomínios. A Suprema Corte tem 11 assentos. Só dois deles pertencem a mulheres, infelizmente.

Falta criar condições não apenas para que elas cheguem lá mas, chegando, sejam tratadas com o mesmo respeito que os homens. O que inclui a adoção de direitos reprodutivos nas políticas corporativas, por exemplo, garantindo que carreiras não sejam sepultadas na maternidade.

Segundo a Síntese de Indicadores Sociais: as mulheres continuam com menos acesso a cargos de direção do que os homens. Isso sem contar que, quando atingem esses postos, sua remuneração corresponde a 60% da masculina.

Em 2002, o ganho das mulheres era equivalente a 70% do rendimento dos homens. Dez anos depois, passou para 73%. Mas para quem tem 12 anos ou mais de estudo, a relação vai a 66%. Ou seja, neste caso, a desigualdade aumenta com a escolaridade.

Todos nós, homens, somos sim inimigos até que sejamos devidamente educados para o contrário. E tendo em vista a formação que tivemos, é um longo caminho até alcançarmos um mínimo de decência para com o sexo oposto.

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