Direito se apoia em pesquisas para salvaguardar o que as leis não cobrem

seminárioDaiane Souza, FCP

“Os profissionais da área de Direito precisam romper com a tradição de ver suas profissões como algo restrito”. Foi o que afirmou Claudionor Barros Leitão, Secretário de Direitos Humanos da Secretaria-Geral da Defensoria Pública Geral da União (DPGU), durante o Seminário Direitos Culturais Negros, realizado pela Fundação Cultural Palmares em parceria com a Defensoria Pública da União, nesta quinta-feira (28) em Brasília.

De acordo com ele, a justiça não pode ser inalcançável. Por esse motivo, Barros Leitão ressalta que os defensores devem se empenhar em conhecer histórica e culturalmente os processos das tradições para discutir a legitimidade e a constitucionalidade da legislação de salvaguarda dos direitos quilombolas. “Só assim será possível a aplicação justa das normas legais e a garantia dos direitos humanos e sociais das comunidades tradicionais “, afirmou.

O secretário enfatizou que a importância desse aprofundamento se deve às dificuldades enfrentadas na busca para a solução casos, como os relacionados a bens imateriais. “Existem situações em que as leis não são suficientes, ou não cobrem algumas especificidades no processo. É quando precisamos nos apoiar em pesquisas, das diferentes áreas do conhecimento para garantir a justiça”, explicou.

Frente a frente com a cultura – Em concordância, o diretor do Departamento de Promoção e Fomento da Cultura Negra da FCP, Lindivaldo Junior, referiu a iniciativa como imprescindível para melhor compreensão da dinâmica e da dimensão histórico-cultural dos valores tradicionais a partir do diálogo. De acordo com ele devem ser criados mais espaços de aproximação entre os operadores de Direito e os agentes culturais.

A Ialorixá Dora Barreto do terreiro Ilê Axé T’Ojú Labá, da Cidade Ocidental, em Goiás, cuida de crianças em vulnerabilidade. Ela falou sobre o papel social dos terreiros e sobre as dificuldades que estes encontram para prestar assistência às suas comunidades locais. “Os terreiros fazem, há décadas, o que o Estado deveria fazer. Quando buscamos apoio somos vítimas de preconceitos, esbarramos na burocracia e percebemos a incompreensão de que as lideranças religiosas também têm o papel de formar cidadãos”, afirmou.

Ela ressaltou que a sociedade brasileira só terá progresso de fato, quando cada pessoa assumir o seu papel e todos, governo e sociedade aprenderem a trabalhar em conjunto.

Saberes ameaçados – João Antônio Pereira e Joana Benedita Pereira, mestres de saberes do Quilombo Mesquita, de Goiás, deram depoimentos de suas experiências de vida no auge de uma situação de conflito. O quilombo é o mais próximo da capital federal. Está situado à 45km de Brasília e sofre com o sufocamento gerado pela especulação imobiliária e a grilagem de terras, fatores que colocam em risco muitos aspectos de sua cultura tradicional.

Dona Joana, contou como criou 11 filhos a partir dos recursos das plantas. Dos onze, de pelo menos metade ela fez os próprios partos devido à ausência de hospital e de transporte para as cidades mais próximas. Conhecedora dos potenciais medicinais de espécies do Cerrado, já teve curas consideradas impossíveis pelos médicos, associadas às suas intervenções. A mata virgem do bioma, no ponto do quilombo onde dona Joana mora, está praticamente reduzida ao que ela preserva no quintal.

Já seu João, mestre marmeleiro, falou da exposição do cultivo do marmelo à extinção, no quilombo que foi sustentado por essa cultura por mais de três séculos. “Hoje, somente três famílias cultivam o fruto e fazem o doce como foi ensinado pelos antepassados. Somos resistentes, mas ficamos preocupados com o que vai acontecer num futuro próximo”, desabafou alertando para os desafios enfrentados diariamente: ameaças de morte, agressões psicológicas e tomadas de lotes pelos grileiros com quem dividem o território.

Perspectivas humanas – Alessandra Ribeiro Martins, liderança jongueira da Comunidade Dito Ribeiro, em Campinas, São Paulo, apresentou o jongo como manifestação de preservação de costumes e memória negra. Detalhou sua infância, adolescência e o reencontro com os valores ancestrais de sua família. É hoje, considerada a grande defensora dessa cultura, inclusive no meio acadêmico.

Alessandra que seguiu os passos do avô, que dá nome à sua comunidade, aprendeu com ele dois dos maiores legados das comunidades jongueiras: a união e a fé. “É o que precisamos ter sempre. Não percamos a fé nas relações, nas parcerias, nem de que por meio da lei, podemos colocar no papel nossos direitos”, disse Alessandra.

Participaram ainda, do evento, Elaine Monteiros (Universidade Federal Fluminense e Pontão de Cultura do Jongo); Carlos Eduardo Paz (Defensoria Pública da União); Nelson Inocêncio, (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro);  e, Robson de Souza (Defensoria Pública da União).

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