Juiz Federal marca audiência de conciliação sobre Taunay-Ipegue para o dia 2 e manda autoridades garantirem a segurança da comunidade

Retomada de Taunay-Ipegue, na madrugada do dia 28 de novembro
Retomada de Taunay-Ipegue, na madrugada do dia 28 de novembro

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Graças ao juiz federal Pedro Pereira dos Santos, os Terena da retomada de parte da Terra Indígena Taunay-Ipegue poderão ficar mais seguros nos próximos dias. Reassumindo o papel de ‘moderador’ do conflito, o titular da 4ª Vara Federal de Campo Grande marcou uma audiência de conciliação entre as partes para as 14 horas de terça-feira, 2 de dezembro.

A nova decisão foi tomada em relação a Ação Possessória movida por Salma Salomão Saigali contra a União, a Funai e a Comunidade Indígenas de Taunay-Ipegue. Nela, a autora alega que sua posse “mansa e pacífica” da área data de “mais de um século” e está demonstrada por “estudos antropológicos” e documentos de domínio. Diz que às 4 horas da manhã de ontem, 28, a terra foi invadida por 80 a 100 “silvícolas” armados, que teriam inclusive atirado contra as pessoas da fazenda e atingido um veículo. Baseando-se na legislação vigente, solicita pois reintegração de posse.

O pedido foi enviado à juíza da 2ª Vara, que, considerando o fato de o juiz Pedro Pereira dos Santos já ter sob sua responsabilidade outro processo (o de nº ooo3009-41.2010.4003.6000) envolvendo a Terra Indígena Taunay-Ipegue, no qual Salma Salomão Saigali ingressou inclusive como “assistente litisconsorcial” dos autores, encaminhou-o para seu colega. 

Ao aceitar a competência pelo novo processo e decidir sobre seu andamento, o titular da 4ª Vara retomou a análise que fundamentou sua decisão em abril de 2014, que de fato vale ser recordada:

“É fato incontroverso a demarcação da área dos Terena da Aldeia Taunay-Ipegue nos idos de 1905, procedida por Rondon.

A controvérsia reside na pretensão da FUNAI em atender a reivindicação da Comunidade, visando a ampliação daquela gleba, sob o fundamento de que os indígenas nunca concordaram com os limites ali definidos. Defende, dentre outros argumentos, que Rondon teve que se contentar em salvar o que encontrou na posse dos índios, pois os fazendeiros apossaram-se do restante outrora por eles ocupados.

Já os autores dizem que suas glebas nada têm a ver com a área indígena, cuja posse resume-se naquele exercida sobre a área da reserva.

Na decisão de fls. 1726-34, proferida em 13 de agosto de 2010, o processo administrativo FUNAI/BSB N 08620-000289/1985-DV foi suspenso, visando a uma inspeção tendo como objetivo a verificação do denominado fato indígena. Buscou a magistrada que deferiu aquela medida verificar se os Terena tinham a posse do imóvel reivindicado à época da CF de 1988.

Em janeiro deste ano também visitei as três fazendas declinadas na inicial, como se vê do termo de fls inserido nos autos, acompanhado das fotos extraídas na ocasião.

Pois bem. Em 2004, quando foi elaborado o relatório de fls. 371-87 que delimitou a área reivindicada pelos Terena, o antropólogo informava que comunidade contava com 3880 índios. Em junho de 2010 (relatório de f. 3928) esse número elevou-se para 4941 índios. De sorte que, se mantida a média de aumento populacional, hoje a Aldeia conta com mais de 5500 pessoas.

A área demarcada por Rondon é de 6461 hectares, aí incluídas as áreas destinadas às residências, plantações, equipamentos públicos (ruas, escolas, posto de saúde, igrejas, etc) e áreas ambientais.

Se dividida toda a área pela quantidade de famílias ali residentes – mais de 950 – chega-se a 6,8 hectares por família ainda assim com todas as reservas antes declinadas.

Salta aos olhos a insuficiência dessas terras Terena, máxime se considerada a qualidade do solo da região, já localizada no Pantanal. Como bem observou o subscritor do laudo de f. 3933 o módulo fiscal do município onde está localizada a área é de 90 hectares. Feitas as contas os índios precisariam de 84.510 hectares, ou seja, mais de treze vezes a área atualmente ocupada.

A carência da comunidade sob o aspecto de falta de terras para o trabalho, com os problemas daí decorrentes – constatada in loco quando da inspeção que realizei – é tão grave que do Relatório dos Trabalhos da Comissão sobre a Questão Indígena em Mato Grosso do Sul, de que tratam as Portarias CNJ nº 53/2013 e 71/2013, enquadrou-a no grau 1 nas prioridades elencadas, culminando por sugerir indenização da terra nua em razão da responsabilidade objetiva por violação da segurança jurídica, em relação aos fazendeiros e o reassentamento dos pequenos proprietários.

Assim, diante da gravidade do quadro, o processo administrativo não deve ficar parado no Ministério da Justiça no aguardo da solução deste processo.

Se deveras as glebas dos autores não se enquadram nas condicionantes fixados pelo Supremo Tribunal Federal no caso Raposa Serra do Sol, como alegam os autores, cabe-lhes alinhar suas razões no referido processo demarcatório.

Ressalte-se, no passo, que as referidas condicionantes fixadas não têm efeito vinculante, como depois deixou claro o próprio Supremo. Mas, isso não quer dizer que S.Exª. o Ministro da Justiça não observará esses parâmetros. É preciso ver quais serão os fundamentos daquela autoridade, tornando-se necessário o prosseguimento do processo.

Recorde-se que em data recente – 13 de março de 2014 – o Executivo fez publicar decreto presidencial declarando de interesse social, para fins de desapropriação, de imóvel destinado à Comunidade Indígena Tuxá de Rodelas, no município de Rodelas, Estado da Bahia, o que demonstra o propósito do governo federal em proceder à regularização das terras indígenas de um modo geral.

Com isso quero dizer que a tramitação do processo aqui discutido em nada prejudicará o direito dos autores. Se ao final vier a ser demonstrado que a área não é de ocupação tradicional indígena, certamente que o Executivo adotará outras medidas tendentes a resolver os interesses em conflito.

Assim, revogo aquela decisão, por entender que a suspensão do processo – que já perdura por quase quatro anos – é deveras prejudicial à comunidade indígena e, por outro lado, pouco acrescenta aos proprietários, mesmo porque eles estão na posse mansa e pacífica dos respectivos imóveis.

Oficie-se. Intimem-se”.

Na continuação, o juiz Pedro Pereira dos Santos lastima que, ao longo desses meses, a Funai e a União não tenham resolvido a pendência envolvendo a Terra Indígena, adotando uma das alternativas levantadas na ocasião. Por outro lado, lamenta que os Terena tenham decidido “solucionar a questão com as próprias mãos”, quando após tê-los visitado “in loco”, proferiu a decisão que deveria ter sido “um alento para o andamento do processo administrativo”.

Para a audiência do dia 2, mandou citar a Funai (a quem responsabilizou pela comunicação aos Terena) e a União. Paralelamente, mandou  também oficiar ao Secretário de Segurança e ao Superintendente Regional da Polícia Federal, para que mandem reforços para a área da retomada, “visando a garantia da integridade física das pessoas que lá estão”, e ao Ministro da Justiça, dando-lhe conhecimento dos fatos noticiados no presente processo”.

Vale relembrar que sua decisão de abril foi contestada pelos autores da Ação (Nilton Lippi e outros), que buscaram revertê-la junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Mas o Relator, desembargador federal Paulo Fontes, manteve a decisão agravada e, ao final, relembrou que em 2010, “quando o processo administrativo foi suspenso havia despacho do Presidente da FUNAI decidindo pela sua remessa ao Ministro da Justiça”.

Notícia sobre a participação do juiz Pedro Pereira dos Santos no outro processo e a íntegra da decisão do desembargador federal Paulo Fontes quanto ao Agravo estão em Juiz vai a campo visitar terra indígena, escreve uma bela decisão, e o TRF-3 deixa para Cardozo assinar a Portaria Declaratória da T.I. Taunay Ipegue.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.