Se os corpos encontrados em valas não são dos 43 estudantes desaparecidos, de quem são?

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Marcela Belchior – Adital*

O drama do desaparecimento dos 43 estudantes normalistas em Ayotzinapa trouxe à tona outra questão que poderá ser desvelada como mais uma face trágica da violência no Méxicos: se os corpos carbonizados encontrados em fossas clandestinas desde o mês passado não são dos jovens, então, de quem são? Para tentar elucidar mais essa questão, mexicanos que possuem parentes desaparecidos foram convocados para colaborarem com a investigação.

Nas últimas semanas, pelo menos 70 pessoas já se apresentaram à investigação. A maioria delas é composta por mulheres: mães, esposas, irmãs, filhas de pessoas das quais não se sabe o paradeiro. A iniciativa partiu de Ernesto Schwartz-Marin, diretor geral da Governança Forense Cidadã, associação civil mexicana sem fins lucrativos que promove a cultura da legalidade no México, com o fim de melhorar o desempenho do sistema de justiça no país.

Testemunhos relatam casos de pessoas que teriam sido sequestradas, torturadas e desaparecidas pelas mãos de policiais municipais ou soldados militares. As ocorrências nunca teriam sido tratadas com atenção pelos governos estaduais. “Todos aqui temos o coração partido”, afirma o taxista Félix Pita. Seu filho, Lenin Vladimir Pita, teria sido levado por tropas militares no dia 1º março de 2010, quando tinha 17 anos de idade, e nunca mais se teve notícias do adolescente. “Todos temos um familiar desaparecido, assassinado. Quanto eu daria para saber que, pelo menos, nessas fossas, se encontrassem os restos do meu filho… Mas nem isso eu sei”, lamenta.

A população critica a postura do governo mexicano diante da questão. Mobilizado pela repercussão internacional do caso dos normalistas desaparecidos na cidade de Iguala, nos últimos dias 26 e 27 de setembro, o Estado estaria, unicamente, focado na busca dos jovens da Escola Normal Rural. Os 39 corpos resgatados em fossas de Pueblo Viejo e em Loma de El Zapatero teriam sido, simplesmente, descartados, após perícia que negava qualquer relação com os estudantes.

“Não são 43, são milhares de afetados. Pelos 43 estão abrindo brechas para saber se estão vivos ou faleceram, para que possam colocar uma flor, uma vela, ter um cemitério onde dá-los sepultura”, disse um camponês parente de uma vítima à imprensa mexicana. “Não são somente 43, nós somos os casos isolados da mesma coisa”, afirmou uma jovem que também compareceu como familiar de um desaparecido. “Teve que ocorrer essa tragédia de Ayotzinapa para que se saiba a realidade de Iguala. Não somente eles se foram, somos muitos”, acrescentou mais um parente de vítima.

O padre Óscar Mauricio Prudenciano, que acompanha o caso, explicou que a convocatória surgiu a partir da mobilização da União de Povos e Organizações do Estado de Guerrero (UPOEG), organização que promove o desenvolvimento comunitário da região. A entidade tem se dedicado à solução do caso dos normalistas e denunciado que o governo não tem se comprometido em investigar todas as fossas que encontra. Tal situação tem gerado angústia entre os familiares de pessoas que podem ter seus restos mortais justamente nesses locais.

O esforço, nesse momento, é por criar um banco de dados genéticos para facilitar a identificação dos corpos. “Entendemos que as autoridades não permitem que se realizem as investigações. As pessoas querem escavar, retirar restos mortais sem pedir permissão ou autorização porque não dão. Estão perguntando se vamos nós mesmos escavar, porque são em torno de 20 fossas que não permitiram destapar”, explicou o sacerdote à imprensa mexicana. Estimativas dão conta de mais de 22 mil pessoas desaparecidas no país.

*com informações de Cosecha Roja

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