O potencial de um imposto

Foto: Thiago Foresti/OPAN
Foto: Thiago Foresti/OPAN

Diagnóstico sobre aplicação do ICMS Ecológico em Mato Grosso mostra oportunidades para fortalecimento da gestão ambiental dos municípios

Andreia Fanzeres/OPAN

Cuiabá, MT – A Operação Amazônia Nativa (OPAN) lança nesta quarta-feira, 26 de novembro, uma publicação que revela os múltiplos olhares da sociedade mato-grossense sobre o ICMS Ecológico, imposto regulamentado no estado desde 2002 e que contribui de modo significativo com as receitas de muitas prefeituras. Para recebê-lo, os municípios precisam ter, em suas áreas jurisdicionais, unidades de conservação e/ou terras indígenas. O lançamento será feito no II Seminário do Programa Municípios Sustentáveis de Mato Grosso, no Hotel Fazenda Mato Grosso, em Cuiabá.

Concebido como um incentivo ao fortalecimento da gestão ambiental nos municípios, muitos tratam o ICMS Ecológico como uma espécie de compensação pela suposta não arrecadação em áreas que, em tese, poderiam estar sendo utilizadas na agricultura intensiva. A pesquisa da OPAN, “ICMS Ecológico: oportunidades para o desenvolvimento municipal em Mato Grosso”, de autoria da cientista social Adriana Werneck Regina, mostra, no entanto, que basta analisar as características das receitas para identificar a relevância dos recursos aportados nos 90 municípios em Mato Grosso que contém unidades de conservação e terras indígenas, comparados a outras fontes. O caso do município de Tesouro é emblemático. Acreditando que estaria aproveitando melhor terras destinadas à Áreas de Proteção Ambiental (APAs), em 2008 a prefeitura revogou decretos de criação dessas unidades de conservação, perdendo uma fatia substancial de sua receita municipal.

“Mato Grosso é um estado gigantesco, maior quase três vezes que a extensão do território alemão. Justamente por isso não pode haver dúvidas de que há espaço para todos. Seria irracional apostar todas as fichas numa economia única (monocultura), característica da antiga ‘economia da dependência’, quando podemos ousar na diversificação de fontes de produção, renda e arrecadação. Os municípios não podem ficar reféns de uma economia agrícola de commodities. Ela deve coexistir com outras tantas iniciativas e oportunidades que o estado tem condições de implementar e sustentar”, diz a coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN, Andrea Jakubaszko.

Em 2010, último ano em que a Secretaria do Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA) divulgou em seu site a lista desses municípios e os valores repassados, os cinco maiores arrecadadores de ICMS Ecológico foram Alto Boa Vista, Apiacás, Campinápolis, Campo Novo do Parecis e Comodoro. Considerando todos os municípios que receberam o recurso, o estado de Mato Grosso transferiu mais de R$ 53 milhões em apenas um ano por força do ICMS Ecológico. Veja a lista completa aqui.

Hoje, apesar da importância do ICMS Ecológico para muitas receitas municipais, e passada a animação dos anos iniciais em se estabelecerem novas áreas protegidas visando um aumento de arrecadação, os gestores públicos têm enfrentado muitas dificuldades em utilizar do imposto para fortalecer e ampliar a gestão ambiental local, de acordo com o diagnóstico. Os recursos não têm sido usados conforme estabelece o Programa Estadual do ICMS Ecológico, ou seja, com “incentivo ao aumento e ampliação de áreas protegidas, melhoria da qualidade de sua conservação, construção de corredores de biodiversidade e geração de emprego e renda, direta ou indiretamente através das áreas protegidas”.

Para os gestores municipais, terras indígenas regularizadas valem mais

As terras indígenas com reconhecimento jurídico e processo de regularização finalizado representam mais recursos aos cofres das prefeituras do que aquelas áreas que estão com processos pendentes. Isso se dá pela influência do fator de correção ao cálculo do ICMS Ecológico.

Das 170 áreas protegidas existentes em Mato Grosso, 95 são terras indígenas e 101 unidades de conservação (municipais, estaduais e federais), sendo que 69 terras indígenas têm reconhecimento jurídico e entram conta do ICMS Ecológico. Outras 26 delas não são reconhecidas pelo Estado e, portanto, os municípios deixam de arrecadar.

Outro ponto interessante demonstrado no estudo diz respeito à análise dos critérios para o cálculo do imposto aos municípios. Os 25% da arrecadação estadual do ICMS repassados aos municípios como ICMS Ecológico levam em consideração atualmente os critérios:

Critério Receita Tributária Própria População ExtensãoTerritorial CoeficienteSocial UC/TI Total
Percentual 4 4 1 11 5 25

Desde 2004, durante a gestão do governador Blairo Maggi, o critério população passou de 2% para 4%, mas a mudança mais importante se deu com a priorização do coeficiente social no cálculo, com 11%. Como ele é baseado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o valor final passa a depender mais de análises que desconsideram desigualdades sociais, mascarando, assim, o desenvolvimento real dos municípios.

Limitação do modelo

A partir de uma breve análise sobre a composição do Produto Interno Bruto (PIB) – a soma de todas as riquezas produzidas – dos municípios, ficam claras as oportunidades de a gestão local investir na diversificação de serviços, especialmente vinculados ao turismo e lazer, para geração de emprego e renda a partir das áreas protegidas. Ao longo do estudo encomendado pela OPAN, observou-se que as receitas da agropecuária não são os maiores pilares do PIB dos municípios, de forma geral. Isso põe em questão o discurso da condição sine qua non desta atividade ser a referência absoluta das condições de desenvolvimento socioeconômico de Mato Grosso.

O discurso dualista que enxerga de forma excludente a área protegida ou aquela destinada a agropecuária deixa de lado a agroecologia, o ecoturismo, a educação ambiental e ações afins que podem se desdobrar em indicadores de um modelo de desenvolvimento econômico articulado à biodiversidade. Falta aos municípios calcular o custo de oportunidade dessas atividades econômicas e desenvolver mais estudos sobre contribuições dos serviços a ela relacionados para a receita municipal. “Em Comodoro, por exemplo, é notório que a agropecuária não contribui para a receita tributária local. Entre os gestores entrevistados, apareceu uma avaliação crítica de que as rendas geradas por tais atividades vão para fora do município, comprometendo a receita local”, lembra a pesquisadora Adriana Werneck Regina.

“Está em questão o modelo de desenvolvimento econômico protagonista da alteração ecológica desenfreada e indiscriminada. Restaurar, recuperar e proteger o ambiente envolve, imprescindivelmente, as dimensões econômicas e culturais”, demonstra a pesquisa. A própria Instrução Normativa N° 001 de 05 de maio de 2010 é explícita quanto ao estímulo ao ecoturismo e às tecnologias de baixo impacto, notadamente no entorno das áreas protegidas, ampliando-se a perspectiva de o ICMS Ecológico constituir-se também como um incentivo à agroecologia.

Falta de transparência e insegurança dos dados

Desde 2010, o estado de Mato Grosso não dá publicidade para os valores do ICMS Ecológico por município, diferenciando-o dos outros impostos e oferecendo, assim, condições para que a população exerça o controle social. O estudo revelou, também, que existem diferenças na base de dados da SEMA com relação à extensão das áreas protegidas ano a ano, mesmo não havendo criação ou ampliação de unidades de conservação ou terras indígenas.

A falta de uma conta específica de ICMS Ecológico para a transferência de recursos feita pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) aos municípios é outro problema identificado. Ainda assim, deve ser ressaltado que o recurso é concebido e calculado especificamente e as prefeituras sabem qual é a cota ligada ao ICMS Ecológico. “O fato de receber “misturado” não justifica a não aplicação de recursos numa ação socioambiental. Associada a isso, chama-se atenção para a ausência de uma legislação que regulamente a prestação de conta específica deste recurso recebido”, aponta o diagnóstico.

“Não há uma força política da sociedade civil que coloque em pauta a gestão destes recursos, o que favorece a continuidade de sua destinação alheia às questões socioambientais”, afirma o estudo. Isso também pode ser entendido como reflexo da pouca ou nula participação da sociedade civil nas plenárias e audiências públicas voltadas ao orçamento participativo.

Aprimoramento da gestão ambiental local

O estudo sinalizou a emergência de uma política ambiental local, tendo sido detectados movimentos para a criação e/ou reativação de conselhos municipais de meio ambiente, além da criação de departamentos ou secretarias específicas para esta pasta nos cinco municípios foco da pesquisa – Chapada dos Guimarães, Barra do Bugres, Brasnorte, Comodoro e Sapezal – mesmo que ainda de forma incipiente. E indicou oportunidades e condições para que os municípios obtenham êxito com apoio do ICMS Ecológico.

Entre as principais recomendações da publicação, destacam-se a necessidade de elaboração de legislação municipal sobre ICMS Ecológico, o estabelecimento de mecanismos de controle social na gestão pública, como a garantia de participação popular nas discussões do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual, além da incorporação da temática ambiental na gestão pública e a diversificação do atual modelo de desenvolvimento.

Confira o estudo na íntegra.

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