Programa atende 150 ativistas de direitos humanos sob ameaça

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Desse total, 88 estão envolvidos em questões de terra, 37 na defesa de povos indígenas e 25, de quilombolas. Só neste ano, 29 pessoas foram mortas em conflitos de terra; desde 2011, o total de mortos chega a 128, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Estêvão Bertonide – Folha de São Paulo

Rondônia, zona rural de Vilhena. Já passa da meia-noite. Uma caminhonete estaciona em frente à propriedade de Adilson Alves Machado, 43, e joga luz alta na porta de sua casa. Fica assim um bom tempo, depois se vai.

Esse é um método de intimidação. Um dos vários usados por pistoleiros da região. Às vezes, tiros são ouvidos a menos de 50 metros. Em outras, pessoas rondam a área.

Dois cães de Adilson já foram mortos envenenados.

Conselheiro da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ele está marcado para morrer e sabe que os recados não são brincadeira. Seu amigo Ademir José de Carvalho sumiu na véspera do Natal de 2010. O corpo nunca foi achado.

“Falaram que iam dar um tiro na minha cabeça, que cortariam meu pescoço”, diz ele, que fica sabendo das ameaças pelos vizinhos.

Há quatro anos na lista dos ameaçados de morte elaborada pela pastoral, ele integra o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal. Já denunciou fazendeiros por desmatamentos ilegais e ajudou agricultores em outros conflitos.

A iniciativa do governo federal, criada em 2004, atende hoje a 150 pessoas.

Desse total, 88 são casos ligados à terra, seguidos pelos que envolvem povos indígenas (37), meio ambiente (27) e povos quilombolas (25).

Só neste ano, segundo a CPT, 29 pessoas foram mortas em conflitos de terra.

Nos quatro anos do governo Dilma Rousseff (PT), foram 128 mortes, número menor que nos primeiros mandatos de FHC (184) e Lula (191), ainda de acordo com dados da Pastoral da Terra.

Segundo Fernanda Calderaro, coordenadora do programa, são raros os casos em que os ameaçados recebem escolta. A prerrogativa do programa é manter as pessoas nos locais onde atuam, para não validar a ação dos ameaçadores, e fazer com que o Estado esteja mais presente onde as leis são fracas.

Assim, segundo ela, os pistoleiros percebem que nem tudo é “terra sem lei”. “Nós trabalhamos para articular os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para nos auxiliar na execução de medidas. A pessoa que está ameaçando muda o olhar. Sabe que, se atentar contra a vida de alguém, vão saber quem foi.”

Para Cosme Capistano da Silva, 49, agente da CPT ameaçado de morte em Boca do Acre, é a fragilidade das leis que explica a violência. “A polícia a gente teme porque age com truculência com os trabalhadores. E a Justiça local não faz nada”, diz.

AMEAÇA DO ESTADO

Bahia. Quilombo Rio dos Macacos, em Salvador. Uma das líderes da antiga comunidade formada por escravos, Rosimeire dos Santos Silva, 36, se sente ainda mais desprotegida. Para ela, a ameaça parte da própria Marinha.

Por isso, ela não pensa em pedir proteção ao Estado. “Como o governo vai dar proteção se é ele que manda matar? A gente não confia”, diz.

O único acesso para o quilombo passa por uma área das Forças Armadas. Nos portões da vila militar, os oficiais controlam quem entra e quem sai da comunidade.

Rosimeire reclama que os advogados que defendem o quilombo e médicos são proibidos de entrar no local.

Em janeiro, Rosimeire e seu irmão foram agredidos por militares. “A gente não dorme à noite. Pessoas ficam próximas vigiando a gente, inclusive fora da comunidade”, diz. O quilombo pede a construção de uma estrada que contorne a vila militar.

Incra diz que polícia investiga as denúncias

Responsável pelo assentamento Águas Claras, em Vilhena (RO), onde vivem trabalhadores rurais ameaçados de morte –entre os quais Adilson Alves Machado–, o Incra afirmou que já comunicou o caso à Ouvidoria Agrária Nacional, órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário que medeia conflitos.

Segundo o Incra, a Secretaria de Segurança Pública de Rondônia apura as denúncias, e a Polícia Civil de Vilhena abriu inquérito para investigar as ameaças de morte.

No caso envolvendo a líder quilombola Rosimeire dos Santos Silva, que chegou a ser agredida por oficiais das Forças Armadas em Salvador, no começo deste ano –existem imagens gravadas da agressão–, o Ministério da Defesa afirma que a Marinha já realizou um inquérito policial militar, que foi enviado em março para a Justiça Militar da União, “à qual caberá a adoção das providências cabíveis”.

O ministério afirma ainda que as obras para a construção de um novo acesso até o quilombo Rio dos Macacos, que possui verba de R$ 500 mil para sua realização, foram suspensas pela Justiça Federal da Bahia.

“A União interpôs agravo contra essa decisão no Tribunal Federal da 1ª Região, o qual está pendente de julgamento”, diz a nota do Ministério da Defesa.

De acordo com a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, embora Rosimeire se recuse a receber proteção do governo federal, a situação dos moradores do quilombo é acompanhada pelo governo do Estado da Bahia.

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