Crise na saúde indígena no Araguaia: povo Karajá está sem atendimento médico nas aldeias

Território onde o Dsei atua. Fonte: SPDM
Território onde o Dsei atua. Fonte: SPDM

Comunicação AXA

Em São Félix do Araguaia, MT, sede do Distrito Sanitário Especial Indígena do (Dsei),  vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde, há 1200 km de Cuiabá, um grupo formado por lideranças indígenas Karajá de 11 aldeias, em um ato de protesto, levou no dia 08 de outubro, o coordenador do Dsei, Milton Martins de Sousa, para uma de suas aldeias, na Ilha do Bananal, TO, e a condição para liberá-lo seria uma reunião com o  coordenador da Sesai, Antônio  Alves de Sousa. No entanto, após quatro dias sem resposta ao pedido dos indígenas, Milton fugiu da aldeia. Enquanto os vigilantes dormiam, funcionários do DSEI levaram o coordenador.

Após o retorno a São Félix do Araguaia, Milton, suspendeu indefinidamente o atendimento às aldeias Karajá. O Dsei atende mais seis etnias: Tapirapé, Guarani, Krenak, Javaé, Maxacali  e Tapuiu, nos estados de MT, GO e TO. Numa retaliação inconstitucional paralisou o transporte,  veículos e barcos, que realizam o translado dos pacientes e dispensou as enfermeiras que fazem plantão nas aldeias. Sem dar explicações à comunidade, o coordenador se ausentou do Polo e segundo informações estaria em Goiânia, GO.

Quando questionado  pelo jornal Diário de Cuiabá, pelo ato de levar o coordenador para aldeia, Luis Carlos Mauri Karajá, cacique da aldeia Santa Izabel do Morro, em São Félix do Araguaia afirmou que os karajá é um povo pacífico. ” Não somos a favor da agressão ou violência, só estamos cansados de sofrer. Nós estamos morrendo por negligência”, denunciou.

O novo descaso  gerou um novo protesto. No dia 14 os indígenas levaram veículos do DSEI, numa  nova tentativa de  chamar a atenção das autoridades para suas exigências em favor da melhoria do atendimento a saúde de seu povo. Mesmo diante da cobertura da mídia estadual para o caso, não aconteceu nenhum pronunciamento oficial de um representante da Sesai ou do próprio Ministério da Saúde, diante da situação o grupo de lideranças Karajá encaminhou uma denúncia para o Ministério Público Federal e uma carta para o coordenador da Sesai. Na denúncia e na carta a comunidade indígena descreve a situação atual e enumera suas reinvindicações.

Leia a Carta de reivindicações Karajá

Atualmente, segundo os indígenas, 90% dos barcos a motor estão quebrados, o que impossibilita o transporte dos pacientes. Eles querem que sejam realizadas as compras das peças para manutenção dos veículos. A comunidade exige a regularização dos contratos para compra de medicamentos, “pois não adianta ter médicos e enfermeiros se não tem medicamentos para continuar o tratamento”, diz a carta.

E cobram esclarecimentos de possíveis atos de corrupção dentro do Dsei. Questionam a contratação irregular de funcionários. E  exigem que os contratos dos pilotos de barco sejam regularizados, pois os pilotos, funcionários indígenas, estão há dois meses trabalhando sem  garantias trabalhistas.

Hoje, 17/10, o grupo vai se reunir na aldeia Fontoura, na Ilha do Bananal, para discutir a situação e organizar  novas ações. Os indígenas estão denunciando novamente, uma situação que se arrasta por anos e que já foi comprovada pela  Auditoria da Controladoria Geral da União (CGU).  Em março desse ano, o jornal Folha de São Paulo noticiou o resultado dessa auditoria, que constatou um gasto  irregular de 6,7 milhões com a saúde indígena  brasileira nos anos de 2011 e 2012. O Dsei Araguaia, um dos 34 distritos do País, foi apontado com um, dos dois distritos, onde foram encontradas as  irregularidades. A auditoria  apontou os problemas de falta de infraestrutura, o número de veículos quebrados, a existência de uma firma prestadora de serviços fantasma e o grande número de medicamentos vencidos.

Encurralados pela pobreza, cercados pelo preconceito, invisíveis ao governo, os indígenas Karajá resistem e gritam por justiça e por seus direitos. Oxalá fossem respeitados!

Alcoolismo, uma ferida aberta

E um pedido dessa carta revela a complexidade do problema na saúde que os Karajá enfrentam e diz respeito ao retorno do contrato dos vigilantes. Embora a comunidade saiba e tenha a responsabilidade de cuidar do prédio e do patrimônio dos postinhos de saúde dentro das aldeias,  os indígenas afirmam que devido ao crescimento do alcoolismo dentro das comunidades é quase impossível impedir as depredações e prejuízos aos prédios e patrimônios públicos e por isso se faz necessário a recontratação de um guarda, que foi suspenso pelo Dsei.

O alcoolismo continua marginalizando e matando silenciosamente jovens, velhos, mulheres e homens Karajá.

Em 2010 o jornal A Gazeta Digital abordou o tema e citou uma pesquisa realizada, em 2014, pela Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), com os homens karajá de cinco aldeias: Tytemã, JK, Wataú, Santa Isabel, São Domingos e Fontoura – todas localizadas às margens do Rio Araguaia. Na divisa entre Tocantins e Mato Grosso, estão mais próximas à São Félix do Araguaia e Luciara, do lado mato-grossense. Dos  558 homens entrevistados, cerca de 214 disseram que consumiam bebidas alcoólicas, o que corresponde 38,40% da população. Destes, 77% dizem ficar embriagados” diz uma reportagem do jornal Gazeta Digital.

Já foram realizados diversas reuniões com o Ministério Público Federal, foi criada uma “Força-Tarefa”  entre  diversas entidades e saíram nas aldeias ministrando palestras e seminários, fazendo reuniões, dia disso, dia daquilo, mas até o momento não foi implementada nenhuma política pública efetiva para enfrentar o problema do alcoolismo.

Além de ser uma questão de saúde pública o alcoolismo entre os indígenas, hábito introduzido pelo contato com a sociedade não-índia, está influenciando a vida nas aldeias e ameaçando a segurança de seu território. O álcool, assim como na sociedade “branca”, gera violência dentro e fora das famílias, pobreza e marginalização. Não existem dados oficiais sobre as mortes causadas pelo abuso de álcool, mas são percebidos, esses óbitos, com frequência nas comunidades.

Entretanto, o povo Karajá continua resistindo culturalmente e politicamente. O bispo, Pedro Casaldáliga, no documentário Besoróró, A TV e OS KARAJÁ,  diz “Os Karajá são um povo forte, pois depois de três séculos de massacre, massacre cultural sobretudo, falam a língua é um povo forte”. E acreditando nessa força que os mantém unidos, somos motivados abraçar suas causas e compartilhar a dor de suas feridas. Mesmo nesse cenário tão vil que a política brasileira criou para os povos indígenas, onde todos os dias seus direitos são reduzidos e algumas vezes esmagados, como o que acontece com os Guarani Kaiowá, em MS, que estão sendo expulsos de sua terras, mas esse é assunto para outro texto.

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