Nordeste, pobres e desinformados

Na corrida de comparações malucas desta eleição, uma das mais disparatadas brotou de uma entrevista de Fernando Henrique Cardoso sobre o eleitorado do PT. FHC disse que o PT “está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres”. Mas quem lê a entrevista inteira não entende bem o que o ex-presidente quis dizer

Vinicius Torres Freire  – Folha de S.Paulo

O que seriam os eleitores “menos informados”? Aqueles com menos anos de escola? Suponha-se que sim, até por falta de indicadores gerais e objetivos de “falta de informação” (sobre o quê, aliás?).

Na sua primeira eleição, FHC teve proporcionalmente mais votos entre os eleitores que não passaram do ensino fundamental (49% deles, pelo Datafolha da véspera do primeiro turno de 1994). Dos eleitores com ensino superior, tinha 41% dos votos. De resto, a liderança de FHC era mais folgada no Nordeste e no Centro-Oeste/Norte.

A votação de Lula era o inverso da fernandina. Lula tinha 20% dos votos daqueles que cursaram até o ensino fundamental e de 33% daqueles com ensino superior.

Não é difícil perceber, porém, que no Brasil um candidato vitorioso precisa ter muito voto entre os eleitores com menos anos de escola, que em geral “coincidem” com aqueles de menor renda. Talvez esta eleição de 2014 seja a primeira em que um candidato tenha chances de vitória sem dominar os votos dos mais pobres –até porque a proporção de pobres é menor.

Em 1998, FHC chegou outra vez ao primeiro turno com mais votos entres as pessoas com menos anos de escola, proporcionalmente. A votação de Lula não variava com o nível de instrução.

Na entrevista que deu origem a uma nova séria de insultos entre petistas e tucanos, entre outras selvagerias, FHCobserva que o PT se tornou o partido dos rincões (cidades pequenas, eleitores “desinformados”). Mais ou menos.

Na eleição de 2002, às vésperas do primeiro turno, Lula ainda tinha mais votos entre o eleitorado com ensino superior do que entre os menos instruídos (52% a 42%), proporcionalmente. O PT “migrou para os rincões” a partir de 2006. O comentário de FHC fica então mais preciso. A ironia é que o eleitorado petista passa a se parecer mais com aquele que deu a vitória ao PSDB em 1994 e em 1998.

A “migração” do petismo ficou mais acentuada com as candidaturas de Dilma Rousseff. Melhor dizendo, a votação da candidata-presidente cresce quanto menores a renda e a instrução. Na véspera do primeiro turno, Dilma tinha 50% dos votos dos eleitores que não passaram do ensino fundamental e 26% das preferências de quem teve ensino superior. Para Aécio Neves (PSDB), a proporção era de 16% a 30%, respectivamente. Para Marina Silva (PSB), de 19% a 31%.

Uma análise do voto nos municípios mostra, enfim, que quanto menor a renda média da cidade, mais votos tem Dilma, fator mais preponderante do que aqueles relacionados a outros indicadores socioeconômicos, instrução inclusive.

Uma cidade pobre e que votou mais em Dilma em 2010 tendeu a fazê-lo de novo em 2014. Mas note-se que a análise do voto agregado apenas por cidade não permite afirmações decisivas. De menos incerto é que está difícil de conversar sobre qualquer fato nesta eleição.

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