Alex Rodrigues – Repórter da Agência Brasil
Ex-secretária do governo do Distrito Federal, candidata derrotada à Câmara Legislativa do Distrito Federal (DF) e militante do movimento negro, a advogada Josefina Serra dos Santos disse ter sido alvo de racismo praticado por cinco policiais militares. Segundo ela, eles a abordaram e a revistaram com violência, ameaçando-a durante todo o tempo.
De acordo com a Doutora Jô, como a advogada é conhecida na capital, o caso aconteceu no último dia 7, próximo ao Museu da República, na Esplanada dos Ministérios. O local fica a menos de 2 quilômetros (km) do Congresso Nacional e a 7 km do Palácio do Buriti, sede do governo do DF .
Josefina conta que caminhava próximo à Biblioteca Nacional quando viu alguns policiais revistando um grupo de jovens por volta das 18h30. Em dias úteis, neste horário, é grande o movimento de pedestres e de carros. Apesar disso, até o momento, nenhuma testemunha do fato se apresentou ou foi identificada.
Na representação criminal que apresentou à 1ª Delegacia da Polícia Civil, nesta segunda-feira (13), a advogada narra que após os policiais liberarem um dos jovens, negro, se aproximou do garoto e o aconselhou a ir para casa. E que, logo após a conversa, foi abordada por uma viatura.
“Ouvi alguém me mandar parar, senão atiraria. Foi então que olhei para trás e vi uma policial, também negra, apontando uma arma para mim”. A advogada diz que, a fim de se identificar, apresentou sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Um outro policial, também negro, se aproximou e, gritando comigo, disse que não era para eu falar nada. Quando perguntei o porquê daquilo, uma segunda policial, branca, disse que, como advogada, eu devia saber que aquilo era um procedimento padrão, principalmente com pessoas iguais a mim – e que eu entendesse isso como quisesse”, relatou Josefina.
A advogada destaca que, durante a revista, seu celular foi atirado longe, sua blusa levantada de forma que seus seios ficaram expostos, seu braço torcido com força por um dos policiais e que a policial, branca, declarou que “neguinhas, quando aprendem algo, se acham”, mas que de nada adiantaria ela denunciá-los, pois nada aconteceria. “Tentaram me intimidar dizendo que era mais fácil acontecer algo comigo do que com eles. O que eu ia dizer? Só queria me proteger. Nunca tive medo da polícia. Conheço muita gente boa que faz seu trabalho dentro da PM, mas, infelizmente, há pessoas assim e, apesar de haver um trabalho [de conscientização dos policiais], parece que não está surtindo efeito e pelo que ouvi e passei só posso dizer se tratar de racismo”.
Josefina diz ter demorado quase uma semana para denunciar os cinco policiais pelos crimes de racismo, ameaça, tortura e intimidação por, inicialmente, ter ficado com medo. “Estava sim como medo. Quer dizer, ainda estou. Tenho clientes que passaram pela mesma coisa e que, de vítimas, quase viraram rés [no processo]. Então, é natural a pessoa ficar receosa de fazer qualquer denúncia”, comentou a advogada, alegando que após se acalmar, decidiu denunciar os policiais a fim de alertar outras pessoas e tentar evitar que fatos semelhantes se repitam.
“Infelizmente, a sociedade brasileira ainda é racista e machista. E como as pessoas que compõem a PM vêm dessa sociedade, a corporação empenha todos os esforços para que essas pessoas não coloquem para fora esses sentimentos. Essa é uma situação atípica, pois não é assim que ensinamos os policiais a agirem”, declarou o secretário-geral da PM, coronel Marcos Araújo, garantindo que, há mais de duas décadas, o Curso de Formação dos Policiais Militares de Brasília inclui conceitos de direitos humanos.
A Corregedoria da PM instaurará uma sindicância ou um inquérito policial militar para apurar os fatos. Imagens que possam ter sido gravadas por câmeras de vídeo existentes no local serão analisadas. Se a denúncia for confirmada, os policiais podem ser punidos até mesmo com a expulsão. Como a PM, oficialmente, só tomou conhecimento dos fatos nesta quarta-feira, ainda não se fala em prazo para a conclusão da apuração. Segundo o coronel, mesmo identificados, os policiais não serão afastados de suas funções pelo tempo que durar o processo administrativo.
“Pode ser que alguns policiais não tenham ainda internalizado o que ensinamos na academia, mas a corporação repudia veemente esses fatos. Não coadunamos com essas atitudes. O comandante-geral e o corregedor da PM já estão cientes da denúncia e vamos apurar tudo rapidamente”, disse o coronel. “Não posso adiantar nada, mas, pelo relato, a abordagem fugiu aos padrões e houve sim alguns erros. Vamos ter que ouvir também o policial”.
Apesar de ser uma queixa frequente por parte principalmente de moradores de bairros carentes, o coronel disse não haver, na corregedoria da PM, denúncias formais por racismo. “Há uma quantidade enorme de procedimentos decorrentes da possível conduta irregular de policiais sendo apurada, mas não de racismo”. O coronel revelou que um levantamento feito em 2008 identificou que 62% dos cerca de 15 mil policiais militares do Distrito Federal são negros, mas não soube dizer quantos desses são oficiais e ocupam postos de comando na corporação. “Há alguns, mas não são muitos. Mas o que de fato ajuda a mudar a mentalidade da corporação é o que já estamos fazendo, trabalhando a educação e a internalização de valores de respeito aos direitos humanos. Um fato como esse, que é exceção, nos magoa, pois derruba todo nosso trabalho”.
Além de manifestar solidariedade e oferecer apoio jurídico e psicológico à advogada, a Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Sepir) promete acompanhar a apuração do caso junto à PM e também os eventuais desdobramentos no Ministério Público. “É preciso garantir que a lei seja cumprida. No imaginário brasileiro, os negros são vistos como um objeto, como seres não-humanos, o que resulta não só numa carga de preconceito pessoal, mas também de racismo institucional. Um cidadão negro discriminado e por um agente do Estado negro tem sua própria psiquê agredido. E o agressor, por sua vez, não consegue enxergar no seu semelhante uma vítima dessa discriminação”, disse à Agência Brasil a ouvidora da Sepir, Jacira da Silva.
Edição: Marcos Chagas.