Entidades do movimento negro baiano promoveram, nesta sexta-feira (10/10), na Faculdade de Direito da UFBA, em Salvador, um debate sobre o programa Sexo e as Negas, da Rede Globo, cujo conteúdo tem sido considerado racista e sexista. Pela denúncia do movimento, a história das personagens negras apresentada pela emissora tem forte apelo sexual e contribui para a perpetuação de um preconceito histórico que restringe a mulher negra à condição de um objeto sexual.
Por Erikson Walla, de Salvador, no Vermelho
Para o debate, eram esperados representantes da TV Globo, do Ministério Público Estadual (MP-BA) e Federal (MPF), e do Ministério das Comunicações, mas nenhum deles compareceu ao evento. A emissora foi convidada para se defender das acusações e os órgãos estatais, que possuem competência para investigar as denúncias de racismo no programa televisivo, para apresentar um posicionamento sobre a questão.
Segundo Samuel Vida, integrante do Aganju (Afrogabinete de Articulação Institucional e Jurídica), o movimento tem cobrado uma atuação do MP-BA, do MPF e do Ministério das Comunicações no caso, “para que eles cumpram o papel que possuem”. Ele acredita que o ministério, principalmente, que é o responsável pelas concessões que as TVs públicas possuem, deveria acompanhar melhor o conteúdo apresentado pelas emissoras e usar a qualidade da programação como critério de renovação.
“Não podemos aceitar esse oligopólio das comunicações no Brasil. Há muitos espaços para serem ocupados e explorados”, defendeu Samuel Vida. Se não conseguirem avançar no diálogo com órgãos estatais, para que eles tomem medidas judiciais e administrativas, as entidades prometem entrar, elas próprias, com uma ação civil pública na Justiça. “Vamos continuar cobrando, mas não descartamos uma ação nossa”, continuou o representante da Aganju.
O programa
No debate, também esteve a advogada Gabriela Ramos, que é negra e explicou como se manifesta o racismo em Sexo e as Negas. Segundo ela, o programa apresenta uma falsa democracia racial – por apresentar quatro protagonistas negras – e propõe, na verdade, uma representação da mulher negra com um forte apelo sexual, como acontecia no período escravocrata. Isso, para ela, é limitador e ajuda a reforçar um estigma que a população negra tem lutado para combater.
“O programa traz uma classificação do sexo como bastante para nos determinar, mas não somos só isso. Isso nos desumaniza e não queremos que isso se perpetue. Esse lugar que nos colocam não foi criado por nós, mulheres negras”, disse Gabriela. Ao lado dela, estava a professora Ivana Freitas, também negra, que destacou a importância de o movimento negro ser procurado pelas empresas de comunicação, antes de iniciar as produções, para uma discussão sobre a diversidade da comunidade negra.
Ivana lembrou que Sexo e as Negas não é a primeira produção de cunho racista da televisão brasileira, mas apenas uma de uma série de programas que insistem em colocar o negro em uma posição subalterna. “É claro que queremos uma representação [na mídia], mas não uma falsa representação. Ou inclui, nos dando voz, ou não inclui. Não se pode é usar o mito da democracia racial para dizer que está tudo bem porque não está”, afirmou Ivana.
Campanha
O evento serviu, também, para as entidades apresentarem uma campanha, na Bahia, de boicote aos programas televisivos considerados racistas. O movimento foi batizado de “Desligue o racismo, assuma o controle”. Além da Aganju, também participam outras organizações, como a Unegro (União de Negros pela Igualdade) e Conen (Coordenação Nacional de Entidades Negras).