Dentro do Bairro Carioca: Um Projeto Habitacional “Premier”

MCMV_Street

Sara McTarnaghan* – Rio On Watch

O Bairro Carioca, um dos carros-chefes do programa Minha Casa Minha Vida do Rio de Janeiro, é frequentemente referenciado por autoridades locais como um modelo de habitação pública orientada para a mobilidade, altamente acessível, e é dado como um exemplo do potencial transformador do investimento em habitação pública. Os 11 condomínios que compõem o Bairro Carioca oferecem moradia hoje para aproximadamente 11 mil pessoas. Esse é o lugar específico que a Prefeitura tem usado para ilustrar o MCMV para repórteres internacionais que vêm cobrindo o Rio desde 2013.

O Bairro Carioca está sob a égide do programa federal de habitação Minha Casa Minha Vida e é designado para famílias de baixa renda que recebem até três salários mínimos ou menos de R$1600 por mês. As famílias reassentadas em apartamentos no Bairro Carioca ou vieram de favelas ditas ‘de risco‘ pela Prefeitura, ou como resultado da desapropriação para novos projetos de infraestrutura urbana. As famílias vêm de favelas geograficamente diversas, incluindo Manguinhos, Bananal, Varginha, Morro de São João, Metrô-Mangueira e de parte do Complexo do Alemão. Essas famílias agora encaram o desafio de criar uma nova comunidade dentro do Bairro Carioca.

O projeto foi terminado este ano, quando os últimos dos 2240 apartamentos foram lançados, no dia 17 de maio. Na inauguração o prefeito do Rio, Eduardo Paes, enfatizou a importância da casa própria para as famílias beneficiadas, dizendo: “Todo mundo que constrói sua vida quer, desde muito cedo, a sua própria casa. Estamos entregando hoje os últimos 740 apartamentos aqui no Bairro Carioca, resolvendo o problema de muita gente que não conseguia ter a segurança de dormir tranquilo em seu próprio lar”.

A RioOnWatch deu uma volta pelo Bairro Carioca, e aqui está um resumo do que encontramos…

Conexões de Transporte

O Bairro Carioca é localizado em Triagem, apenas cinco a dez minutos a pé do metrô, ônibus e da estação de trem. A proximidade do transporte é uma importante e singular característica desse projeto. A maioria das habitações construídas pelo MCMV está isolada de transportes e outros serviços; acima de 50% delas estão localizadas na extrema Zona Oeste da cidade (a duas horas do Centro da cidade). O Bairro Carioca, por outro lado, é localizado na acessível Zona Norte, onde, do lado de fora da estação de metrô em Triagem, moto-táxis esperam animadamente para levar os moradores pelas ruas do condomínio no fim do quarteirão. Mas, apesar do bom acesso ao centro pelo transporte público, o planejamento e densidade do conjunto habitacional e as restrições ao negócio dentro de residências significa que muitas das necessidades comerciais diárias (que não são encontradas dentro do Mercado Popular local) exijam viagens para fora das redondezas do Bairro Carioca–um contraste evidente da realidade da maioria das favelas.

Condomínios Fechados

Ao entrar pelo portão principal, logo após um posto de saúde e uma pequena praça, visitantes e moradores ficam igualmente impressionados com o tamanho do projeto, que possui prédios idênticos de cinco andares dos dois lados das principais vias. Cada prédio funciona como um condomínio independente. São fechados separadamente e possuem variados graus de segurança, infraestrutura e manutenção, já que os moradores se organizam, cada condomínio do seu jeito, para cuidar desses espaços semi-públicos.

Casas

Apesar da pouca atividade na rua, sinais de vida em família são observáveis através das janelas iguais onde se veem cortinas, roupas penduradas para secar e gaiolas de passarinhos presas no muro. Cada apartamento tem uma área interior de 45 m2 com dois quartos, cozinha, banheiro e uma pequena área de serviço.

O Bairro Carioca recebeu matérias indesejáveis realizadas pela imprensa pouco depois das primeiras unidades terem sido lançadas em 2013 devido a severas inundações no local, que foram atribuídas ao mau planejamento e à construção deficiente. Como os moradores do primeiro andar sofreram severos danos aos seus apartamentos e propriedade pessoal, muitos questionaram terem se mudado das áreas designadas como “áreas de risco” pelo governo só para serem expostos a novos fatores de risco.

Comércio Local

No coração do local de 125.000 m2, dois homens se aproximam do mercado popular. O mercado é centralmente localizado dentro do projeto e possui alguns negócios, incluindo um restaurante, farmácia, drogaria e salão de beleza. Nesse ambiente altamente regulado, os moradores não são permitidos a fazer adaptações no primeiro andar, composto por residências, para a criação de espaços comerciais ou restaurantes como é comum nas favelas. Com o tempo, no entanto, é provável que novos negócios informais se formem para atender as necessidades dos moradores e criar oportunidades comerciais, como já foi visto em projetos similares.

Estabelecimentos de Ensino

A Nave do Conhecimento Santiago Andrade é um dos serviços destacados pelas autoridades fazendo do Bairro Carioca um projeto exemplar. Esse espaço é uma livraria “high-tech” e espaço de trabalho desenhado para crianças, adolescentes e adultos. O espaço promete oferecer cursos ligados à computação, informática e outros, apesar do calendário permanecer vazio até o momento. Um membro da equipe do centro disse que foi um grande sucesso entre os jovens do bairro e que provê um espaço importante e seguro para recreação. Além disso, o Bairro Carioca possui creche, ensino fundamental, academia e posto de saúde.

Contraste Com as Redondezas, Reflexão Comparativa

O déficit habitacional do Rio é calculado em 270.774 casas. Dada a despesa de R$115 milhões no projeto do Bairro Carioca e o fato dos recursos terem sido prontamente disponíveis para o MCMV, para investimentos que envolvem demolição de casas nas favelas e para reconstruções, há um contraste nítido com o desinvestimento sofrido pelo promissor programa Morar Carioca.

O premiado Morar Carioca, assinado pela Prefeitura em 2010, prometia urbanizar todas as favelas do Rio até 2020. O programa, se tivesse sido implementado, traria a infraestrutura que faltava para todas as favelas da cidade, beneficiando 1.4 milhões dos cidadãos de menor renda da cidade até 2020. De acordo com as autoridades municipais, um mínimo de R$75.000 é gasto por unidade em apartamentos construídos pelo programa MCMV e um mínimo de R$5 bilhões nas mais de 66 mil unidades já foram comprometidos para o Rio até agora. Esse valor é só R$3 bilhões a menos doorçamento total para o projeto Morar Carioca que proveria condições de vida decentes para todos os moradores de todas as favelas da cidade.

O hiper-investimento em habitação, estradas e tecnologia dentro do ambiente altamente planejado do Bairro Carioca chama a atenção mais ainda assim que passo pela última linha de condomínios, por um homem e uma forte mensagem política:

MCMV_SOS*Pesquisadora de políticas de habitação pública no Chile e Brasil, e está completando seu mestrado pela Universidade de Texas-Austin em Planejamento Comunitário e Regional, e Estudos da América Latina.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.