Quilombolas não aceitam prazo do Incra para análise de contestações em Morro Alto

quilombolas reunião morro altoDébora Fogliatto*, Sul21

Em uma reunião com cerca de cinco horas de duração, a comunidade quilombola de Morro Alto, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, não aceitou o prazo determinado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para análise das contestações do território em fase de demarcação. O encontro foi marcado na última sexta-feira (26), quando os quilombolas exigiram da instituição a determinação de uma data para o fim desse processo.

Após as reivindicações feitas na sexta, o superintendente do Incra Roberto Ramos se reuniu com a equipe técnica que analisa as contestações em âmbito sociológico, agrônomo e jurídico para estabelecer o prazo. “Eles se comprometeram a acelerar as 130 análises que faltam, mas o prazo mínimo necessário é no final de março de 2015, com mais duas semanas para a aprovação final do comitê de decisão regional”, afirmou Ramos.

Ele lembrou que já foram analisadas e indeferidas 79 das 207 contestações e considerou o prazo “razoável, pois o processo é complexo e a análise é importante”. Além disso, o superintendente destacou que em outros 13 processos de demarcação quilombolas, eram 74 contestações; enquanto apenas em Morro Alto, eram 207.

Wilson Rosa, presidente em exercício da Associação de Moradores do Quilombo Morro Alto, reivindicou firmemente que o prazo dado era muito longo. Após conversar em particular com os cerca de dez representantes presentes, eles optaram por não aceitar o prazo, exigindo que seja publicado o decreto no Diário Oficial da União até dezembro, com o que o Incra afirmou que não pode se comprometer, lembrando da complexidade do caso e da quantidade de contestações.

A comunidade lembrou que no outro encontro a equipe de sociólogas afirmou que seria possível terminar as análises até dezembro. O procurador Rafael Mello explicou a mudança de datas, lembrando que a proposta atual inclui também as análises agronômicas e jurídicas. “Não há contradição nenhuma com o que foi dito sexta-feira, pois a nossa proposta vai além. Mas a objetividade nem sempre é sinônimo de qualidade. Se aceleramos o processo isso pode cair nas mãos do Judiciário”, explicou.

O advogado Paráclito Brazeiro de Deus, ex-procurador do Incra que atualmente trabalha com a comunidade, tentou mediar a situação, dizendo que a demora “vai piorando problemas e questões de afronta podem resultar em risco de vida”. Ele colocou que “o tempo do órgão público é um e o da comunidade é outro”, ou seja, o que para o Incra parece um prazo razoável, para os quilombolas soou absurdo.

Wilson destacou que a comunidade está sendo ameaçada, acusou o Incra de ser “omisso” com as denúncias e disse que não há garantias de que o prazo não irá se estender mais. O procurador Rafael Mello pediu “um voto de confiança”, afirmando que o instituto está ao lado da comunidade. “Nós somos parceiros, prazo é importante para que a gente evite maior demora em outros âmbitos”, colocou.

Os representantes da comunidade questionaram se mais contestações podem surgir, alegando que há moradores que não são quilombolas que estão vendendo pedaços da terra e novos posseiros estão surgindo. O Incra negou que seja possível contestar o processo nesse momento.

“A área já está delimitada pelo Relatório de Identificação e Delimitação e mesmo assim está havendo esbulho. Queremos pelo menos notificar os cartórios de Osório e Maquiné para não deixar acontecer transações na área”, argumentou o advogado da Frente Nacional de Defesa dos Territórios Quilombolas, Onir Araújo.

Os moradores também mostraram preocupação com o fato de os terrenos estarem sendo divididos entre mais posseiros, pois isso acarretaria em mais custos para o Estado, que precisa indenizar as pessoas que serão desapropriadas. “O posseiro que estiver sobre área sem matrícula será indenizado apenas pelas benfeitorias, não pela terra”, explicou Roberto Ramos.

Placas de demarcação

Outra demanda da comunidade é o retorno das placas que informam o território como “área em processo de regularização fundiária”. Segundo os moradores, a sinalização existia e foi danificada ou retirada pelos posseiros. “A questão da placa pode prevenir a venda de terrenos da área, vai inibir esse tipo de ação”, ponderou Paráclito.

O superintendente do Incra apontou que o órgão não é o responsável pela colocação dessas placas, embora esteja ciente da importância de sua existência. “Essa demanda já veio por outras comunidades e a direção do Incra em Brasília não aceitou que fizéssemos, pois não tem especificidade no orçamento”, explicou.

Ele se comprometeu a enviar ofício ao Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), órgão responsável pela colocação das placas, até a próxima semana, com cópia para a Associação da Comunidade Quilombola.

Morro Alto*

O processo, aberto em 2004, já possui Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território publicado, indicando uma área de cerca de 4,6 mil hectares. As contestações de não-quilombolas dentro deste perímetro já estão sendo analisadas. Apenas ao final da análise das contestações, com a publicação de uma portaria, há uma definição do território final a ser titulado em nome da comunidade.

*Informado pelo Incra/RS.

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