Brasil reduz em 50% o número de pessoas que passam fome, diz ONU

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Cerca de 70% do consumo interno é abastecido pela agricultura familiar. Foto: FAO

A Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO) estimou, nesta terça-feira (16), que mais de 805 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar no mundo. O Brasil, no entanto, caminha na contramão dessa estatística graças aos seus programas, ações e estratégias que levaram o país ao posto de referência mundial no combate à fome.

“O Brasil é um grande exemplo nesse aspecto porque estabeleceu essa causa como uma prioridade nacional. Ele provou que um país grande pode reduzir a insegurança alimentar e ainda influenciar toda uma região e o mundo”, disse a representante adjunta da FAO para América Latina e Caribe, Eve Crowley, destacando que a América Latina e o Caribe tiveram juntos o melhor desempenho no combate à insegurança alimentar dos últimos anos. A região concentra atualmente 6,1% das pessoas com insegurança alimentar, percentual bem abaixo dos 15,3% registrados em 1992.

Peça central no estudo realizado pela FAO, o Brasil aparece como modelo para promoção de experiências exitosas como transferência de renda, compras diretas para aquisição de alimentos e capacitação técnica de pequenos produtores. Com isso, o Brasil conseguiu diminuir em 50% o número de pessoas que passam fome.

O diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Program Mundial de Alimentos (PMA), Daniel Balaban, destacou que uma maneira de definir a expressão “insegurança alimentar” é quando existe restrição do acesso aos alimentos. Isso porque as pessoas que estão na situação de insegurança alimentar consomem alimentos de forma difusa, sem saber quando será a próxima refeição.

Uma iniciativa que contribuiu diretamente para a redução da insegurança alimentar no cenário brasileiro foi o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). Balaban ressalta que, com o programa, os agricultores tiveram a garantia da venda de seus produtos para o governo e instituições como escolas e hospitais.

“No Brasil, os pequenos produtores sofriam de insegurança alimentar. Eles largavam suas terras rumo aos grandes centros urbanos em busca de emprego. O grande mérito do programa foi incentivar todo esse grupo a permanecer no campo, estimulando a produção e oferecendo demanda para ele. Cerca de 70% do nosso consumo interno é abastecido pela agricultura familiar”, disse o diretor.

O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil

Divulgado durante a coletiva de imprensa em Brasília, o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil – Um Retrato Multidimensional é um dos sete casos de países específicos estudados pela FAO, lançado paralelamente ao relatório anual da Organização, O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2014.

O documento sobre o caso brasileiro aborda as estratégias de governança adotadas pelo país com o objetivo de garantir o acesso de todos à alimentação, além de uma análise sobre a produção e disponibilidade de alimentos e outros aspectos como saúde. Para ilustrar o sucesso das medidas brasileiras, a FAO reuniu diversos indicadores da segurança alimentar, entre eles o Indicador de Prevalência de Subalimentação, uma medida empregada pela FAO há 50 anos para dimensionar e acompanhar a fome em nível internacional.

Hoje, o país tem 3,4 milhões de brasileiros que passam por insegurança alimentar, o que representa 1,7% da população brasileira. A porcentagem de 5% é o limite estatístico determinado que representa se um país superou o problema da fome.

“O relatório mostra a situação da insegurança alimentar e as tentativas de eliminar a fome da Terra. Ele ressalta os nossos avanços, mas mostra que ainda há muito para fazer. Mesmo com a disponibilidade de alimentos e tecnologia, temos mais de 800 milhões de pessoas com risco de insegurança alimentar.Temos que reconhecer que a fome é a maior inimiga em todos os territórios do mundo e manter o compromisso de combater esse problema”, afirmou  o coordenador residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek.

Para Chediek, a insegurança alimentar é um tema complexo, que não se resolve apenas com o aumento da produção ou da distribuição de alimentos, mas com uma multiplicidade de ações e programas que o Brasil vem desenvolvendo muito bem.

“O Brasil precisa continuar nesse caminho, de chegar aos que estão fora do ‘sistema’, e aprimorar a coordenação de programas sociais. Por conta desse compromisso, o país teve um resultado admirável. O IDH, que inclui elementos de saúde e renda, melhorou mais de 50% nos últimos 20 anos”, destacou.

Discurso da fome e a desigualdade social

O relatório também parabeniza o governo por importantes passos institucionais e implementação de marcos legais que possibilitaram os avanços no combate à fome no Brasil. Entre eles, a incorporação à Constituição Federal, em 2010, do direito humano à alimentação adequada e, em 2011, da institucionalização do Plano Nacional de Segurança Alimentar, com destaque ao lançamento da Estratégia Fome Zero, e a implementação, de forma articulada, de políticas de proteção social – como o Bolsa Família e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – e de fomento à produção agrícola – como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA).

Segundo o estudo, os gastos federais em 2013 com programas e ações de segurança alimentar e nutricional no Brasil totalizaram cerca de 78 bilhões de reais. Os investimento em programas sociais aumentaram mais de 128% entre os anos de 2000 e 2012, enquanto a parcela desses programas no Produto Interno Bruto aumentou 31%.

Em 2013, os programas relacionados à proteção social chegaram a aproximadamente um terço dos gastos federais em programas e ações de segurança alimentar e nutricional, enquanto os programas relacionados com a produção e distribuição de alimentos, inclusive os destinados à promoção da agricultura familiar, foram responsáveis por um sexto do total de dispêndios.

O resultado desses investimentos trouxe números positivos para erradicar a extrema pobreza e a fome no país, compromisso assumido através do primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM1) e na Cúpula Mundial sobre Alimentação (CMA). Apenas com o Bolsa Família, cerca de 22 milhões de brasileiros foram retirados da extrema pobreza desde 2011.

A consultora da FAO, Anne Kepler, que apresentou o relatório sobre o caso brasileiro, acredita que o avanço do país está também no seu discurso sobre a fome, atrelado à desigualdade social.

“Nos Estados Unidos, também há insegurança alimentar, também há fome, mas o tratamento é muito diferente do que vemos hoje no Brasil. A fome não está relacionada ao fato de a pessoa não se interessar por trabalho, como muitos dizem. Aqui, estamos provando que esse déficit na alimentação está ligado a uma diferença de classes, a uma desigualdade social que vem diminuindo”, disse Kepler, nascida nos Estados Unidos, mas residente do Brasil há 20 anos.

Durante a entrevista, Crowley ressaltou que o mundo está vivendo um período histórico, onde o progresso no combate à fome é evidente. “Se firmarmos um compromisso, poderemos erradicar a fome dentro da nossa geração.”

Para a elaboração deste documento, a FAO contou com a colaboração do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e de pesquisadores e acadêmicos.

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