Corporativismo atrapalha ações da Ouvidoria da Polícia

Guga Kastner/Ponte Jornalismo
Guga Kastner/Ponte Jornalismo

Por Talita Alessandra, Brasil de Fato

De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a quantidade de pessoas mortas por policiais militares no Estado subiu 111% no primeiro semestre de 2014 comparado ao mesmo período do ano passado. Embora tal aumento não passe despercebido pela sociedade, que denuncia tais atrocidades, os canais públicos de denúncia continuam ineficientes.

É o caso, por exemplo, da Ouvidoria da Polícia, órgão da comunidade civil, independente, cuja principal função, é “ser porta-voz da população em atos irregulares praticados pela Polícia Civil e pela Polícia Militar”.

O ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, que também é advogado e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, explica que a Ouvidoria recebe denúncias diariamente e, embora não tenha poder para apurar e investigar, é obrigação de quem assume o cargo de ouvidor sair em campo para conhecer as situações e se empenhar na busca por providências contra atitudes arbitrárias de policiais. Quando o crime é grave, no caso de homicídio, por exemplo, a Ouvidoria encaminha a denúncia ao Ministério Público.

Vítima vira réu

O corporativismo existente nas polícias é apontado por Neves como um fator que dificulta o trabalho desenvolvido pela Ouvidoria, pois quem pode punir os policiais, na maioria das vezes, são seus próprios superiores. “Com certeza tem corporativismo nas polícias civil e militar. Se não ficar em cima e não cutucar, o resultado nunca sai como deveria. Só há punição quando o crime está claríssimo. Essa é a realidade”.

Para o ouvidor há muitas distorções propositais quando policiais cometem crimes, como tentar forjar um homicídio, de doloso para culposo. “Das centenas de mortes, são poucas as que vão para o tribunal do júri, porque antes havia a ‘resistência seguida de morte’, principalmente quando o crime ocorria na periferia. Assim, milhares de mortes não foram julgadas. Depois de muita luta, foi mudado para ‘morte decorrente de intervenção policial’, mas o efeito é o mesmo. De repente, o inquérito policial não vai nem para o promotor e é arquivado. O próprio promotor, às vezes, vê o boletim de ocorrência e faz a vítima, que está morta, virar réu. Isso não é em um ou dois casos, mas em centenas. Tem situações em que me sinto impotente”, desabafa.

Quando a autoria do crime praticado pelo policial é comprovada a punição varia de acordo com o ato. Pode ser desde advertência à prisão e expulsão. O ouvidor pontua que o aumento da violência policial também se deve ao posicionamento do governador Geraldo Alckmin, que elogia e incentiva a truculência em seu discurso.

“Quando qualquer autoridade age assim, o comando da polícia cria as diretrizes para fazer o que quiser e seus subordinados seguem as ordens. É uma postura errada de um político com expressão”, argumenta Neves, ao mencionar que a relação de Alckmin com a Ouvidoria é ruim e o governador sequer cita a existência do órgão em suas falas, apenas menciona a Corregedoria (órgão responsável pela apuração de infrações e irregularidades cometidas por policiais), o que dá respaldo para as ações ilegais das polícias.

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