BA – Comunidade tradicional é atingida por impactos dos parques eólicos

Joaquim, Odetina e Teresinha resistindo na comunidade quilombola | Foto: Allan Lusttosa
Joaquim, Odetina e Teresinha resistindo na comunidade quilombola | Foto: Allan Lusttosa

Comunidade quilombola Malhada (BA) é uma das que resistem à implantação de parque eólico em seu território

Iasmin Santana e Allan Lustosa*, ASA

O vento é a fonte de energia que mais cresce no Brasil. Entre 2006 e 2013, houve um crescimento de 829% desse setor. Hoje, já são 167 parques eólicos em todo o país, mas 36 deles estão desconectados da rede por falta de linhas de transmissão. Um parque eólico é um espaço, terrestre ou marítimo, onde estão concentrados vários aerogeradores destinados a transformar energia eólica em energia elétrica.

“Do ponto de vista físico, não existe energia limpa. Ou seja, não existe uma fonte energética convertida em outra fonte que não emita gases, resíduos e que não impacte socialmente. Podemos classificar as fontes como ‘sujas’, no caso dos combustíveis fósseis, gás natural, carvão mineral e derivados de petróleo e minérios radioativos, e as fontes ‘menos sujas’, que são as energias renováveis solar, eólica, biomassa e hidráulica”, diz o especialista Heitor Scalambrini.

O Nordeste é uma das regiões de maior potencial eólico do Brasil, com destaque para a Bahia, que abriga o maior complexo eólico da América Latina, localizado no município de Caetité, no sertão do estado. Segundo informações do Atlas Eólico da Bahia de 2013, o estado apresenta a existência de recursos eólicos abundantes, com ventos regulares, distribuídos principalmente no Semiárido baiano.

Atualmente, existem oito usinas eólicas em operação nos municípios de Brotas de Macaúbas, Sento Sé e Sobradinho. Além disso, de acordo com o Atlas, a Bahia tem 87 projetos de energia eólica previstos para instalação que somam, aproximadamente, R$ 8,5 bilhões. 

O crescimento dessa fonte de energia, no entanto, merece atenção, pois os parques eólicos têm causado grandes impactos sociais e ambientais. Em Caetité, um dos focos do problema é o modo como os parques vêm sendo implantados, aliado à falta de informação. Essa realidade é vivenciada por 67 famílias da comunidade quilombola de Malhada, pertencente ao Distrito de Maniaçu. Os moradores não se opõem ao trabalho das empresas, mas querem seu território livre para decidir o que fazer com ele. “Nós aqui não é contra a empresa, nós queremos a nossa terra. Se nós não tiver a nossa terra, pra onde é que nós vamos?”, desabafa dona Odetina de Jesus, uma das moradoras mais antigas da comunidade. 

A comunidade foi reconhecida como quilombola em 2012, com o apoio do sindicato, pastorais da igreja católica e movimentos sociais.  A certificação possibilita que a comunidade seja defendida juridicamente pela Fundação Cultural Palmares e beneficiada com políticas públicas federais. A luta agora é pela demarcação e titulação das terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Seu Joaquim da Silva, presidente da Associação do Pequeno Agricultor da Comunidade de Quilombo de Malhada e de Maniaçu, relembra que foi procurado por representantes de empresas para que ele autorizasse a implantação da torre eólica, mas apesar de ser presidente da associação, ele afirmou que só poderia “fazer as coisas juntamente com a comunidade”. 

Mesmo sem autorização dos moradores de Malhada, há mais ou menos dois anos, foi implantada uma torre de pesquisa em uma área da comunidade e também colocada uma cancela com uma placa que informa ser proibida a circulação de pessoas. Essa área tem um significado histórico, pois era onde os antepassados deles trabalharam. Na época, a comunidade reuniu os moradores e representantes de algumas organizações da sociedade civil para saber da empresa o motivo da implantação, mas o diálogo não avançou. A partir do momento que o território deixa de ser deles e passa a ser da Companhia, como será para as futuras gerações? Essa é uma preocupação de dona Teresinha da Silva que questiona: “Essa nova geração pra onde vai?”

Parque de energia eólica | Foto: Allan Lusttosa
Parque de energia eólica | Foto: Allan Lusttosa

Para Thomas Bauer, da Comissão Pastoral da Terra na Bahia (CPT-BA), os parques eólicos que ocupam imensas extensões territoriais causam grandes impactos socioambientais para as populações locais, na sua maioria comunidades tradicionais. 

“Além da volta da grilagem de terra, os contratos de arrendamento assinados são sigilosos, abusivos e totalmente favoráveis às empresas que na sua grande maioria nem sequer explicam o teor destes contratos e os camponeses/as são pressionados a assinar entre a casa e a porteira da roça, comprometendo toda a geração futura”, afirma Thomas.

A expulsão de comunidades de suas terras é um dos impactos na energia eólica, mas há outros. Segundo a Pesquisa sobre Licenciamento Ambiental de Parques Eólicos do Ministério do Meio Ambiente, realizada em 2009, os principais impactos apontados pelos estados são os relacionados ao efeito do parque eólico na paisagem, alteração de uso do solo e relevo, aumento da mortandade de pássaros que se chocam nas hélices, interferências eletromagnéticas e impactos sonoros, que podem causar sérios danos à saúde humana.

“Sem falar que os Parques Eólicos, em grande parte financiados com investimentos públicos e entregues à mão privada, reforçam um modelo desenvolvimentista, aumentando a concentração gerando lucro para poucos”, explica Thomas.

Fórum Social Temático
A energia eólica foi um dos temas debatidos no Fórum Social Temático sobre Energia (FTS – Energia), realizado de 7 a 10 de agosto, em Brasília-DF, com o tema: “Energia: para quê? Para quem? Como?. O evento foi realizado para atender à necessidade de reflexão sobre os problemas que vêm sendo criados pelas matrizes energéticas utilizadas (hidroelétricas, termoelétricas, energia nuclear, combustíveis fósseis), como também para debater maneiras alternativas de produção de energia, de forma a diversificar as matrizes geradoras de energia e garantir menos impactos ao meio ambiente e aos grupos sociais.

Para Cláudio Dourado, agente da CPT BA – Centro Norte, a temática sobre energia eólica foi uma das mais interessantes do evento, porque tinha uma grande representação de movimentos sociais, moradores de comunidades de fundo de pasto, quilombolas e indígenas dos estados da Bahia, Ceará e Pernambuco, que se reuniram durante todo o fórum e trocaram experiências no que diz respeito à questão do impacto dos aerogeradores nas suas regiões.

Ele destaca também que os encaminhamentos desse grupo de trabalho foram bastante concretos, como a formação de uma comissão, com representantes de cada estado, para pensar estratégias de enfrentamento desses impactos ocasionados pela implantação dos parques eólicos e a realização de encontros regionais para debater esse assunto.

O FST-Energia é uma iniciativa de organizações da sociedade civil brasileira vinculadas ao tema, organizadas em um Coletivo de Facilitação e autônomas em relação a governos, partidos e empresas.

Durante o FST-Energia foi lançada a Campanha Nacional por uma Nova Política Energética com o slogan ENERGIA para a Vida!. O objetivo da campanha é promover uma nova política para o setor elétrico no Brasil à altura dos desafios do século 21, baseada em princípios de eficiência econômica, justiça social, respeito à diversidade cultural, participação democrática e sustentabilidade ambiental.

*Iasmin Santana e Allan Lustosa, comunicadores populares da ASA / Colaborou Gleiceani Nogueira, da ASACom.

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