Racismo no Bangu Shopping é retrato do apartheid brasileiro

Walmyr Junior* – Jornal do Brasil

Nervosismo, susto, medo, indignação e revolta são retratos sentimentais de Leila Cristina Ribeiro, diarista de 48 anos, e da filha Thainá Cristina Azevedo, estudante de 19 anos, que sofreram injúria, difamação e, infelizmente, foram também vítimas do racismo institucional na loja Aquamar Rio no Bangu Shopping, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Mãe e filha foram na loja Aquamar, como de costume, experimentar algumas roupas para uma possível compra e ao saírem da loja foram acusadas de roubo pela gerente. O caso ocorreu na ultima segunda feira (11) e reflete o comportamento da sociedade quando vê negros entrando nos espaços que culturalmente são ocupados por ricos e brancos. A lojista e sua gerente, que acionaram a segurança por desconfiarem do ‘furto’, se sentiram incomodadas por verem negras em sua loja e concluíram que, com certeza, eram ladras.

Liguei pessoalmente para Thainá e ouvi dela as seguintes palavras: “Sou cliente da loja há um tempo, entrei para experimentar uma saia que estava na vitrine. Meu celular tocou e ao terminar a ligação coloquei ele e meu casaco dentro da bolsa que minha mãe carregava. Não gostei da saia e decidimos ir em outra loja. Ao sair a sirene de segurança da loja foi acionada e imediatamente um segurança pediu para irmos para um espaço reservado da loja. Minha mãe ficou assustada quando a gerente pediu para abrirmos a bolsa por que tinha um produto da loja ali dentro. Na mesma hora minha mãe saiu da loja e abriu a sua bolsa e jogou nossas coisas no chão. Outras pessoas no shopping começaram a se aproximar e também se indignar com a situação”.

Casos como esse se repetem em diversos espaços. Recordo dos ‘rolezinhos’, que ficaram famosos no início deste ano, e que também incomodaram as ‘elites’ da sociedade. Assim como a política de cotas provoca uma reação contrária pela ameaça de perda do privilégio e exclusividade da elite no ensino superior, a presença de negros em espaços de poder econômico reacende o debate que coloca em questão a presença nesses espaços por todos os indivíduos, independentemente de sua cor, raça ou religião.

Para Hugo Villela, militante do MNU (Movimento Negro Unificado), atitudes como a dessas lojistas expressam como o racimo é velado. Para ele, “a manutenção dos espaços na sociedade tem como ferramenta o uso do julgamento a partir dos estereótipos e fenótipos de cada cidadão, e quando se é negro a sociedade infelizmente  reage de forma ostensiva, de caráter violento, seja física ou verbalmente. Isso acontece porque a classe dominante ainda acredita que pelo fato do negro ser pobre, logo ele é suspeito”.

No relato da jovem Thainá é possível perceber de que forma a sociedade olha para a população negra. Um apartheid aos moldes da herança de uma cultura escravista se revela em casos como esse. Está presente sim no Brasil uma ótica que criminaliza a população negra, tentando em todo instante nos impedir de ocupar os espaços que são nossos por direito. Superar esse paradigma e reconfigurar as relações de poder é avançar para superar o mito da democracia racial.

*Professor, integra a Pastoral da Juventude e trabalha na Pastoral Universitária da PUC-Rio. É membro do Coletivo de Juventude Negra – Enegrecer. Representou a sociedade civil em encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.

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