México: Pronunciamento do Foro Análises y Construção de Alternativas: Tenência, Uso e Usufruto da Terra para as Mulheres

Ocosingo, Chiapas. 21 de diciembre de 2012. Miles de indigenas del Ejercito Zapatista de Liberacion Nacional procedientes de La Selva Lacandona, esta mañana en la cabecera municipal de Ocosingo en el estado mexicano de Chiapas marchan y se concentran en la plaza central de manera pacfica y en total silencio. Foto: Moysés Zúñiga Santiago
Foto: Moysés Zúñiga Santiago

Às mulheres e aos povos do México que resistem o sistema capitalista neoliberal e patriarcal
Às organizações, municípios e localidades indígenas, camponesas e populares de Chiapas e de todo o país
Às e aos aderentes da Sexta Declaração da Selva Lacandona do Ejército Zapatista de Liberación Nacional
Ao povo em geral
Aos meios livres, alternativos, autônomos,
Aos meios e à imprensa nacional e internacional.

Convocadas pela Associação Civil Centro de Direitos Humanos da Mulher de Chiapas, aderente à Sexta Declaração da Selva Lacandona, trezentas mulheres representantes de terras coletivas, comunidades e organizações indígenas e camponesas de Chiapas e de outros lugares do país, reunidas no fórum “Análises y Construção de Alternativas: Tenência, Uso e Usufruto da Terra para as Mulheres”, entre os dias 24 e 26 de julho em San Cristóbal de las Casas, acompanhadas de homens solidários, analisamos os problemas e a violência que vivemos, como povos rurais e urbanos, frente à crise econômica e às inversões neoliberais que o mal-governo trouxe a nossas terras e territórios.

Vemos necessária e urgente a defesa de nossas terras e territórios, porque são lugares nos quais vivemos e convivemos com os ancestrais, as plantas, as flores, os animais, as montanhas, os rios, os lagos etc. O território é nossa mãe-terra, é o lugar onde nascem e crescem nossos filhos e filhas, onde cresceram e morreram nossos ancestrais, os avôs e as avós. Para nós é vida, a terra nos dá alimento, casa, água, sol e identidade comunitária. Dela e nela vivemos e trabalhamos, por isso a cuidamos e a defendemos. Sabemos que se somos despojadas da terra e do território, vão morrer  as montanhas, os animais, as plantas, os rios, o ar, ao mesmo tempo em que nós e nossas famílias seremos escravizadas aos interesses do sistema capitalista neoliberal patriarcal e ao projeto de morte que este executa através dos mal-governos, que veem nossas terras e territórios somente como mercadorias.

As e os assistentes deste Foro denunciamos que nos territórios onde vivemos estão sendo promovidos projetos petroleiros, mineiros, eco-turísticos, eólicos, hidroelétricos, de infraestrutura rodoviária e aeroportuária, de saqueio de nossas plantas e conhecimentos tradicionais: assim como a exploração nos territórios indígenas –sem consulta nem autorização- para identificar e aproveitar nossos bens naturais. Projetos que implicam o despojo  de nossos territórios e bens comuns, assim como o deslocamento forçado, ilegal e injusto do espaço em que convivemos, trabalhamos e recriamos nossa cultura e identidade, e que são bens de todas e todos os mexicanos e as mexicanas, não dos governos que modificam as leis a seu favor e em benefício das empresas e dos grandes comerciantes.

Para conseguir que o grande capital transnacional ou nacional se apodere e lucre com nosso bens e territórios, instituições do governo federal e estatal como a Procuradoria Agraria, a Comissão Nacional Florestal e os Ministérios de Agricultura, Meio-Ambiente e Turismo estão utilizando, além de nossa exclusão histórica de nosso direito de mulheres à terra e à participação política, diversas estratégias para conseguir a imposição destes projetos. Como foi denunciado no Foro:

a) Fazendo pressão sobre as terras comunais e sobre as e os comuneiros para aceitar a titulação individual de suas terras, facilitando assim o “convencimento” individual para a venda ou aluguel das mesmas, exemplo disto acontece na terra comunal Aguacatenango, onde além das terras excedentes do perímetro da terra comunal, que historicamente tinha sido reconhecida como parte da comunidade, são agora reclamadas como propriedade da nação.

b) Criminalizando as lutas de resistência e tergiversando seu discurso e significado através dos meios de comunicação, como sucede em Atenco, Estado de México.

c) Fazendo falsas e duvidosas promessas tais como as de que haverá obras em beneficio da comunidade, fontes de emprego e ingresso, novos recursos de programas oficiais como Oportunidades (1): ou bem condicionando os apoios atuais do governo federal e estatal como o Pro-Agro para que as pessoas aceitem as propostas, como expressaram os testemunhos de Atenco, Chicomuselo, Chilón, Pijijiapan y Terra Comunal Los Llanos.

d) Obrigando as comunidades a alugar suas terras e aceitar a reconversão produtiva, o uso de transgênicos e o semeio de mono-cultivos para produzir agro-combustíveis. Da mesma forma, impôs-se novas técnicas que requerem grandes quantidades de água, assim como agroquímicos e fertilizantes cada vez mais contaminantes, como sucede nos invernadores para a produção industrial de tomate em Amatenango del Valle.

e) Pressionando as comunidades para abandonar seu território com o argumento de proteger os recursos naturais, ainda que as comunidades tenham ocupado ditos territórios com anuência do governo e os tenham cuidado historicamente, como em Montes Azules e como sucedeu previamente nos 44 desalojamentos que houve somente nesta zona.

f) Cooptando e comprando líderes e autoridades municipais, camponesas, de terras comunitárias, com o fim de que autorizem a introdução de projetos sem a consulta prévia e informada dos povos, como exemplificaram as companheiras de Chicomuselo, Terra Comunal Aguacatenango, Chilón, Huitiupan, Pijijiapan, Arriaga e Tonalá.

g) Militarizando os territórios e reprimindo os movimentos de resistência através de tortura sexual ameaças, terror, instalação de reténs militares, detenções, encarceramento e assassinatos de dirigentes para que sejam concretados os projetos mineiros, hidroelétricos, eólicos e de infra-estrutura de comunicações, etc. Exemplo disto são: ao assassinato de Mariano Abarca de Chicomuselo, onde também houve ordem de apreensão contra mulheres que impulsaram a resistência, ou em Atenco e outros lugares.

h) Traçando projetos rodoviários que atravessam muitas comunidades e territórios indígenas e camponeses, entre eles, territórios de bases de apoio zapatista.

i) Aproveitando as tensões entre ou ao interior das comunidades, criando e administrando conflitos que favorecem a uma das partes, promovendo a disputa de terras, no lugar de promover o diálogo e o acordo entre elas, com o fim de debilitar a unidade, a resistência camponesa e cooptar população, como foi feito em Atenco, na Candelaria, no município de Venustiano Carranza (Chiapas) e em muitas comunidades mais.

j) Fracionando a coletividade através de programas oficiais dirigidos a indivídulos ou grupos muito pequenos, debilitando a unidade e a soberania da comunidade, incluindo a capacidade coletiva de se alimentar, como denunciaram as companheiras dos municípios de Comitán, Las Margaritas, La Trinitaria e muitos outros.

k) Apropriando-se dos conhecimentos sobre as medicinas tradicionais e propriedades alimentícias de raízes e plantas, utilizando nossos saberes ancestrais para patenteá-los como produtos mercantis. As companheiras de San Miguel Caxanil denunciaram a violência com a qual as instituições oficiais estão realizando um inventário nacional florestar em benefício deste despojo.

Mediante estas ações, intervenções e estratégias, estão sendo violentados nossos direitos. Mencionamos, em primeiro lugar, nosso direito como mulheres ao usufruto da terra, violentado através das políticas públicas e regulamentos que somente reconhecem os homens como proprietários ou titulares. Outra violação constante é a do nosso direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado, os quais quando são eventualmente feitos não convocam as mulheres. Além do mais, estas estratégias transgredem nossos direitos: à saúde, à alimentação, à água, ao território, à cultura e à identidade indígena, à igualdade, à não discriminação etc, que o Estado deve proteger e garantir tal como o estabelece o artículo 1 da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, que obriga também a observar como parte da normatividade interna os direitos reconhecidos nos tratados internacionais de Direitos Humanos, como o Convenio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), a Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulheres (CEDAW), a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Declaração dos direitos dos povos indígenas, entre outros.

Estas violações a nossos direitos têm graves efeitos sobre nós e nossas comunidades, entre eles:

– atentam contra a base territorial produtiva, social, política, cultural e espiritual das comunidades.

– Portanto, atenta contra a vida mesma da comunidade, suas práticas coletivas e solidárias, assim como à sua soberania alimentar.

– Destroem a biodiversidade, a cultura produtiva, a relação respeitosa com a natureza que mantivemos durante séculos.

 – Profanam nossos lugares sagrados,  ao considerá-los como mercadorias.

– Cometem crimes de lesa humanidade com o deslocamento forçado de milhares de habitantes das comunidades afetadas.

– Aprofundam o empobrecimento, a exclusão e a marginação social, contra a vida comunitária e a segurança, sometendo especialmente às mulheres a grandes cargas de trabalho, ao desgaste de sua saúde física e emocional e à exploração sexual e laboral.

– colocam as mulheres em uma maior dependência e subordinação não somente aos homens, mas ao estado, apropriando-se de seus corpos, tempos, decisões e de toda sua vida, utilizando-as para controlar a população e evitar assim protestos e insubordinações sociais e políticas.

– aumentam a insegurança econômica, social, laboral, fisicamente, colocando as mulheres em estados de stress e angustia permanentes, que aumentam sua vulnerabilidade à violência e aprofundam suas subordinações.

– fomentam mediante o mercado o alcoolismo e os vícios, assim como o narcotráfico e o resto da indústria vermelha, sobre tudo nos homens. O que ao mesmo tempo reflete no aumento da violência feminicida e dos feminicídios.

Por tudo dito, concordamos em exigir:

a) Que o governo deixe de servir aos interesses do capital e das imposições norte-americanas, dos outros países ricos e dos organismos internacionais de desenvolvimento e segurança. Que governe para os povos como demanda a constituição.

b) Deixe de vender nosso país, nossos territórios não são mercadoria, é o lugar onde vivemos, é nossa casa e a de nossa família e ancestrais. É onde trabalhamos para viver e nos alimentarmos.

c) Que sejamos os povos indígenas e camponeses e, especificamente, as mulheres, reconhecidos(as) como seres humanos com direito a viver dignamente, com respeito às nossas culturas.

d) Derrogue as leis que legalizam o despojo dos povos indígenas e camponeses, porque são contrárias às leis internacionais que o mesmo governo assinou, assim como ao espírito do artigo primeiro constitucional.

e) Deter o desenvolvimento contra-insurgente e a violência paramilitar às comunidades zapatistas, assim com os enganos, abusos, argúcias legais e demais estratégias de imposição dos projetos neoliberais.

f) Deter as inversões e a ocupação de nossos territórios por empresas nacionais e transnacionais, que estão ocasionando delitos de lesa humanidade, como a empresa Monsanto, que além de provocar doenças e mortes, estão criando uma dependência às sementes transgênicas e a consequente contaminação e desaparição das sementes nativas.

g) Que as autoridades políticas e agrárias a nível federal, estatal e comunitário respeitem nosso direito à tenência, uso e usufruto da terra e nosso direito a participar nas decisões sobre a terra e o território, sem pretextar seu incumprimento baseando-se nos usos e costumes.

Frente a isto, decidimos organizar um movimento amplo de mulheres, unindo nossa forca às organizações e povos em resistência para exigir nosso direito como mulheres à terra e a defender nossos territórios.

Por último, fazemos um chamado a todas as mulheres indígenas, camponeses e urbanas de Chiapas e do País para defender nosso direito à terra e ao território, participando na tomada de decisões. Fazemos também uma chamada a toda a população para que se una a nossas exigências, para que se organize e junte forças para deter a ofensiva do capitalismo neoliberal patriarcal que, com apoio do governo, ameaça com despojar os povos camponeses de nossos bens naturais e culturais em benefício das empresas nacionais e transnacionais, atentando contra todas as formas de vida.

San Cristóbal de las Casas, 26 de julho de 2014.

(1)   O programa Oportunidades equivale ao Bolsa Família no Brasil, sendo o seu uso como instrumento de cooptação política muito criticado pelo grosso dos movimentos sociais mexicanos.

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