A matriz energética brasileira e suas alternativas: uma solução individual e morte coletiva

engenho de moer cana - Foto Kau Dourado
Engenho utilizado nas comunidades para moer cana de açúcar e fazer rapadura. Foto: Claudio Dourado

Por Claudio Dourado*

Às vésperas das eleições mais importantes do País, muita coisa vem à tona, entre elas as questões energéticas, que em 2013, consumiram em média 38,3 % de fontes não renováveis (gás natural 7,2%, óleo diesel 18,3%, óleo combustível 1,6%, gasolina 9,7% e querosene 1,5%); 38,8% de fontes renováveis (lenha 6,5%, bagaço de cana 11,2%, eletricidade 16,9% e etanol 4,2%); e 22,9% de fontes não classificadas.

Um olhar acrítico poderia nos levar à conclusão de que o Brasil está no caminho certo. Primeiro pela sua diversidade energética: país promissor com sol intenso, ventos e água abundante, solos férteis etc. Segundo, existe uma complementariedade entre elas. Por último, o Estado apropria através da Petrobras quase na totalidade o mercado dos não renováveis e parte de outras fontes. Porém esse mercado energético brasileiro é muito mais complexo. O domínio estatal não barateou os custos dos combustíveis. Tem-se muitas perdas nas transmissões. As cidades são verdadeiros caos, e 87,5% do que consome os meios de transportes provém de combustíveis fosseis, mas não vou adentrar nessa temática agora.

Para entender melhor essa análise, podemos dividir os consumidores em dois grupos, livres e cativos. Para o consumidor cativo (as residências), quem distribui é o fornecedor compulsório, com tarifa regulada. O preço é o resultante de um mix de contratos de longo prazo, com contratação de até 103% da carga e repasse de riscos de diferenças de preço. O consumidor cativo absorve incertezas, erros e acertos do planejamento centralizado de governo e da distribuidora. Participa do rateio dos custos da diferença entre geração programada e realizada (ESS) – ou seja, está exposto a riscos e não tem como gerenciá-los.

Aparentemente a instalação de kits individuais, tanto solar como eólicos, daria a esses consumidores mais autonomia sobre o mercado, já que poderiam administrar seu consumo, economizar energia e vender o excedente. O problema é que até aqui toda análise rebate ao consumidor urbano ou a quem já dispõe de redes de distribuição. No entanto, até agora a maior vítima do mercado energético brasileiro é o camponês, principalmente aquele isolado de qualquer política energética.

A energia chamada alternativa é cara, insuficiente e excludente nesse caso. Os kits instalados e armazenados em baterias não atendem às necessidades de uma família. Podem resolver apenas o problema da escuridão e, por outro lado, funcionam como legitimação de todas as atrocidades feitas pelas hidrelétricas e parques eólicos empresariais.

Do recursos investidos pelo BNDES no ano de 2013, aproximadamente 20,97% foram para geração de energia no Norte e Nordeste e linhas de transmissão no Sudeste, e 79,03% para infraestrutura em geral, concentrada também nos centros urbanos do Sudeste, ou para exploração de commodities nas regiões Nordeste, Norte e central do país. Distante da lógica dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais do campo, que acreditam resolver o problema energético com a estatização, a rigidez locacional do potencial energético é um problema entre campo/cidade; colonizador/colonizado; Sudeste metrópole/Norte-Nordeste colônia.

Para enfrentar essa visão desenvolvimentista comunidades impactadas resistem isoladamente por todo Brasil, sem apoio dos movimentos ou de partidos políticos aliados, pois dentro do modelo capitalista vigente as fronteiras deverão ser sempre rompidas, tanto pela expansão dos agrocombustíveis, quanto pelas hidrelétricas e parques eólicos; alimentos darão lugar às monoculturas energéticas; extensões de terras férteis darão lugar às grandes barragens; áreas coletivas de pastoreio, aos parques eólicos. A simples contestação inexequível da vida humana sem energia não passa de uma ideologia tendenciosa, onde qualquer investimento energético justifica a morte de um povo, do seu modo de vida, a migração, a perda de autonomia e de seu território, além da opressão nos centros urbanos.

Para o campesinato, o pós-neodesenvolvimentismo chegou com a mesma velha/nova estratégia ocidental colonizadora, onde a única diferença são os aliados – velhos parceiros mobilizadores, agora inimigos ferrenhos desarticuladores, em nome do desenvolvimento e da distribuição de renda individual para um povo cuja cultura se baseia em ações coletivas.

Mas esse modelo energético atual ‘avançado e futurista’ que o Brasil impõe sobre seu território e propõe para a America Latina, através do BNDES, é o que se tem de mais avançado para a ANEEL e para as transnacionais, principalmente as minerárias. Essas empresas absorvem suas demandas como consumidor livre: a energia é livremente negociada. O valor de sua energia é resultante de sua opção individual de compra, que poderá incluir contratos de diferentes prazos e maior ou menor exposição ao preço de curto prazo, além dos benefícios na economia, no poder de decisão e na previsibilidade orçamentária. Nesse caso o Estado e a população brasileira ficam reféns dessas empresas e pagam o preço de todos os investimentos parcelados mensalmente em suas contas de energia.

Para não ser rotulado como reacionário ou do contra, afirmo categoricamente que sou acima de tudo a favor da vida.  Nessa opção, a escolha a matriz energética e a forma que utilizamos esses recursos definem não só nosso modo de vida, como o futuro do planeta. Que seja energia para a vida!!

*Agente da CPT no Centro-Norte da Bahia.

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