Retomada das mães ao seu tekoha: pela vida de seus filhos e filhas

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CIMI – Cansadas de terem que enterrar os próprios filhos, cerca de 50 mulheres Kaiowá da Terra Indígena de Pindo Roky, no município de Caarapó (MS), iniciaram este mês um movimento que recebeu o nome de “Retomada das Mães”. Estas mulheres, incluindo idosas e jovens, pintadas e trajadas com seus instrumentos tradicionais e munidas de muita espiritualidade e coragem, montaram novo acampamento na região que estabelece a divisa da Terra Indígena de Pindo Roky, já delimitada, e a propriedade de um fazendeiro conhecido pelos indígenas como “boliviano”. As mães, juntamente com seus familiares, passam a retomar mais 30 hectares pertencentes ao território tradicional e ancestral dos Kaiowá, que ainda encontra-se indevidamente empossado pelo fazendeiro.

Marcando a entrada do acampamento estabelecido na nova retomada, uma cruz de madeira repousa solitária, simbolizando o motivo pelo qual as mulheres não quiseram e nem puderam mais permanecer caladas. A cruz marca o ponto onde o corpo do adolescente Denílson Barbosa, de 15 anos, foi encontrado em fevereiro de 2013. Denílson foi assassinado com um tiro à queima-roupa pelo fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, 61, enquanto pescava com o irmão de 11 anos e o cunhado.

A cruz foi colocada ao lado de uma estrada vicinal, onde, assim como Denílson, varias pessoas já foram encontradas mortas e deixadas ao relento, quando não, jogadas dentro de um córrego que corta a área indígena, tendo que ser posteriormente enterradas pelas mãos e lágrimas dos próprios familiares.

Espalhadas nas encostas de um mato, uma dezena de barracas improvisadas servem de moradia para estas mulheres e crianças que enfrentam tanto as dificuldades da falta de alimentação quanto ameaças do fazendeiro e de seus jagunços, que prometem despejá-las da forma que for necessária a qualquer momento. “Aqui só temos alimento uma vez por dia, então tem que escolher se vamos comer de manhã ou à noite. E nossas crianças só comem quando vão pra escola. […] Mas a gente fica com medo mesmo é do fazendeiro, que sempre ameaça a gente, dizendo que ele mais os homens dele vão tirar todo mundo daqui a força”, diz uma das mulheres, que aqui preservamos o nome por questões de segurança.

As condições em que vivem os indígenas da aldeia de Pindo Roky foi também um forte motivo que encorajou as mulheres a se movimentar. Segundo elas, enquanto a violência direta dos confrontos tira a vida dos seus filhos e filhas, a demora para finalizar os processos de demarcação da terra de Pindo Roky por parte do governo federal acirra os conflitos e mantém a comunidade indígena em situações desumanas de vida. Sem ter onde plantar, uma vez que não têm acesso pleno a terra, passam fome, e precisam esperar pelas cestas básicas providas pela Funai, cujo atraso da entrega tem durado meses. Sem a mínima estrutura hidrossanitária, convivem com doenças e não têm sequer acesso a água de qualidade, tendo que, para saciar a sede, coletar a água da chuva que fica acumulada nas beiradas dos barracos habitados. Nessas condições, onde a violência se apresenta morando sempre ao lado, se manifestando de forma direta e indireta, as retomadas não são somente um ato de coragem e bravura ou a “intolerância” de um povo que decide por não esperar os procedimentos legais. As retomadas muitas vezes são a única saída que os povos indígenas encontram para conquistarem os seus direitos constitucionais desrespeitados cotidianamente.  

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