“Mais um”: Contando Assassinatos na Periferia da Cidade Maravilhosa

mage-violence-300x225Léo Custódio* – Rio On Watch

Enquanto a seleção brasileira sofria a maior derrota de todos os tempos, Magé–minha cidade natal na região metropolitana do Rio de Janeiro–lamentava mais um assassinato. A tristeza e a revolta ao contar gols da Alemanha são metáforas de uma tragédia muito maior: a aparente ineficácia das políticas de segurança pública do Estado na periferia da capital carioca.

Um dia antes da goleada alemã sobre o Brasil, mandaram fechar todos os estabelecimentos em um bairro no centro de Magé. Era o luto imposto por um grupo criminoso pela morte de um rapaz. No mesmo dia eu conversei com um primo que mora no bairro onde decretaram o toque de recolher.

Perguntei a meu primo como estava a situação na vizinhança. “Está ruim. Esses dias tinha um lá andando com arma na mão. São meninos. Se continuar assim, de repente vamos vender a casa e sair de lá”.

Nunca tinha ouvido falar de toque de recolher no centro de Magé, mas conversas sobre assassinatos são cada vez mais regulares. Homicídios têm ocorrido na cidade numa frequência tão espantosa quanto os gols da Alemanha. No cotidiano de Magé, as pessoas também se perguntam “mais um?!” a cada notícia de assassinato na cidade.

A lista de alguns casos recentes é assustadora. Em outubro, mataram um e feriram seis em um tiroteio na porta de um clube. Em novembro, mataram uma advogada, seu pai e sua mãe na porta de casa. Em março, mataram dois e feriram cinco numa pizzaria. Entre abril e maio, mataram dois no mesmo bairro. Em maio, mataram um policial e feriram outros dois. Em junho, mataram e feriram pessoas que tinham participado de uma festa junina. No fim de junho, mataram um rapaz na casa da namorada.

Respostas para quem matou quem e o porquê são raras. Apesar das investigações, a maioria dos casos permanece sem explicação. Com tudo isso, Magé é uma cidade onde rumores nas ruas e na Internet simbolizam a retroalimentação entre desinformação e o medo. Nos casos que listei, diz-se que algumas vítimas estavam envolvidas em grupos criminosos. Outras, no entanto, foram vítimas sem envolvimento nas crescentes disputas entre grupos rivais.

Nas conversas pela cidade, as disputas são vistas como consequência das UPPs na capital do Estado. A questão da migração de traficantes é controversa. O Secretário de Segurança do Estado, José Mariano Beltrame, diz não haver evidência da fuga de criminosos cariocas para outras localidades. Mas a avaliação oficial não condiz com a vivência na periferia da capital. Nos últimos meses, moradores de Magé relatam que muitos dos criminosos são pessoas desconhecidas. Em vários bairros também aumentaram pixações com siglas de facções da capital. Como consequência, muitos moradores da cidade evitam visitar amigos e parentes por medo de serem identificados como moradores de bairros rivais.

Se negar a migração parece um equívoco, atribuir os crimes somente aos novos criminosos também é problemático. Disputas e brigas entre bairros acontecem há décadas em Magé. A diferença atualmente parece estar no armamento disponível e na brutalidade dos confrontos. Dias depois do assassinato do policial, ouvi relatos surpresos de PMs que trabalham e moram na cidade. “Eles agora estão dando de fuzil, cara”, disse um policial indicando uma mudança na atuação de criminosos em Magé.

Uma das razões para a violência em Magé está na forma em que políticas estaduais são elaboradas. Uma análise recente dos indicadores oficiais da violência no Estado mostra que a atual política de segurança diminuiu os homicídios na capital carioca entre 2007 e 2014. Mas fora da capital, apesar da redução inicial, os homicídios estão aumentando. Hoje, mata-se na região metropolitana quase tanto quanto se matava em 2007. Ou seja, fora da capital as políticas de segurança pública do Estado não parecem ter sido tão eficazes.

A segurança foi aprovada durante a Copa em bairros turísticos , mas o oposto é sentido em Magé e na periferia da Cidade Maravilhosa. Enquanto assistíamos atônitos à “tragédia” da seleção em campo, mais uma família chorava uma tragédia de verdade: mataram mais um. Políticas públicas estaduais não devem se restringir a acalmar moradores e turistas nos bairros nobres. Senão, longe da praia e dos estádios, vamos continuar contando assassinatos como contamos os gols da Alemanha.

*Mestre em ciências sociais e doutorando na Escola de Comunicação, Mídia e Teatro da Universidade de Tampere, Finlândia. Em sua pesquisa de doutorado (2009-2015), Custódio investiga a trajetória em mídia-ativismo de moradores de favelas e periferias do Rio de Janeiro.

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