Nota de Repúdio ao preconceituoso posicionamento do juiz Isaias Caldeira sobre os quilombolas de Brejo dos Crioulos

Foto extraída do saite Quilombo Brejo dos Crioulos
Foto extraída do saite Quilombo Brejo dos Crioulos

As organizações e movimentos sociais, abaixo subscritos, vêm manifestar seu repúdio contra a Decisão de Pronúncia proferia pelo MM Juiz de Direito Isaías Caldeira Veloso nos autos do processo nº.062412001974-7 – Ação Penal Pública movida pelo Ministério Público da Comarca de São João da Ponte/MG em desfavor de Edmilson de Lima Dutra, Joaquim Fernandes de Souza, Édio José Francisco, Sérgio Cardoso de Jesus e Fernando Celestino de Souza, todos membros da Comunidade Remanescente de Quilombo Brejo dos Crioulos, localizada nos municípios mineiros de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia.

A comunidade quilombola Brejo dos Crioulos, há 14 anos luta pela efetivação do seu direito constitucional à propriedade de seu território, previsto no art. 68 do ADCT. Assim, em 29 de setembro de 2011, a presidente Dilma, através de Decreto, declarou de interesse social, para fins de desapropriação, os imóveis rurais abrangidos pelo Território do Quilombo Brejo dos Crioulos. Apesar da edição do decreto presidencial, os fazendeiros continuaram no domínio das fazendas inseridas no território tradicional daquela comunidade remanescente de quilombo. Por conta da morosidade do Estado em destinar aquelas terras ás centenas de famílias que delas necessitam para tirar o seu sustento, em setembro de 2012, vários membros da comunidade realizaram a retomada de uma das fazendas inserida no seu território tradicional, como forma de pressionar o INCRA a dar celeridade aos procedimentos de desapropriação. Em decorrência do conflito, um dos empregados da fazenda retomada, que já havia tentado contra a vida de um quilombola, veio a falecer.

A prática do crime foi atribuída aos quilombolas Edmilson de Lima Dutra, Joaquim Fernandes de Souza, Édio José Francisco, Sérgio Cardoso de Jesus e Fernando Celestino de Souza. Em decorrência da acusação, o magistrado Isaías Caldeira Veloso, juiz cooperador na Comarca de São João da Ponte, decretou a prisão preventiva dos quilombolas e, sem que houvesse uma sentença condenatória, os mesmos permanecem encarcerados na cadeia pública daquela cidade, há quase dois anos.

Em data de 17 de maio de 2013, o Magistrado Isaías Caldeira Veloso proferiu a Sentença de Pronúncia contra os acusados. Entretanto, o que deveria ser uma decisão sucinta, dispondo tão-somente acerca da materialidade e suposta autoria do delito ali apurados, não se extrapolando da verificação acerca do juízo de admissibilidade, com vista à condução do julgamento pelo Tribunal do Júri, o Magistrado, contrariando expressa exigência legal, resolveu adentrar nas questões de mérito, fazendo uma desnecessária e extremamente agressiva explanação, com o claro propósito de menosprezar e humilhar não somente os acusados, bem como, toda a comunidade quilombola de Brejo dos Crioulos, composta por mais de 500 famílias, que há mais de uma década luta pela efetivação do seu direito fundamental de acesso ao território, espaço necessário à sua reprodução social, cultural e econômica.

Evidenciando a clara predisposição de influenciar o corpo de jurados, na busca do que poderia vir a ser “uma esmagadora condenação”, o Magistrado abriu mão de sua posição de imparcialidade, destilando ódio e preconceito contra os trabalhadores negros e pobres e suas entidades de apoio, utilizando-se de expressões como: “Elementos que se intitulam “Quilombolas”; “terras cobiçadas pelos Réus e seus companheiros”; “horda de invasores” “a incitação  ideológica é a mãe da barbárie e essa gente simples brasileira se vê usada como massa de manobra de radicais políticos, que querem a implementação de seus objetivos a qualquer custo”; “tangidos por discursos inflamados de ideólogos, perdem a natural afeição aos seus, e como na implementação do comunismo na Rússia, irmãos e amigos de infância esquecem-se desses laços comuns e agem como feras, sem medirem seus atos, inclusive assassinando, se assim entenderem”.

Como se vê, a decisão proferida pelo Juiz Isaías Caldeira Veloso, carregada de preconceito social, racial e ideológico, além de afrontar o princípio da Imparcialidade, revela um claro propósito de intimidar e desqualificar aqueles humildes quilombolas e, por tabela, todo o movimento negro da região. Como não poderia deixar de ser, tal decisão acabou por ser anulada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos exatos termos do Acórdão nº. 1.0624.12.001974-7/001, publicado recentemente, e à disposição no site do TJMG.

A condenável ingerência do juiz Isaías Caldeira Veloso que, deliberadamente, invadiu a competência de outro órgão julgador, foi tão absurda que levou o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais a não só anular a “decisão de pronúncia” por ele proferida, bem como, a determinar que a mesma fosse imediatamente retirada dos autos para não influenciar os membros do Tribunal do Júri, única instituição que tem a competência constitucional para julgar os acusados.

Desta forma, por entendermos que as decisões judiciais, em um Estado Democrático de Direito, devem ser fundamentadas à luz das normas constitucionais e não baseadas em opiniões encharcadas de preconceito e ódio racial, manifestamos nosso repúdio à Decisão de Pronúncia proferida pelo MM Juiz de Direito Isaías Caldeira Veloso, já devidamente anulada pelo E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Assinam a presente nota as seguintes entidades:

Associação Quilombola de Brejo dos Crioulos

Associação Quilombola do Gurutuba

Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais

Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas

Movimento Geraizeiro

CERRADANIA

Enviada  por Pablo Matos Camargo para lista Cedefes.

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