Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro: “Crônica de uma morte anunciada”

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“a ADPERJ lamenta que mais uma vez a Defensoria Pública tenha permanecido inerte, deixando de atuar politicamente diante de tamanha violação de direitos. Independentemente de os réus estarem ou não assistidos pela Defensoria Pública, a Instituição tem o dever de desempenhar política preventiva, para evitar tais atentados”.

(Nota da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro)

Crônica de uma morte anunciada

O Rio de Janeiro acordou na manhã do último sábado, 12 de julho, chocado com as prisões arbitrárias que estavam sendo cumpridas por toda a cidade sem qualquer fundamento concreto. No total, 19 pessoas foram presas, sendo duas delas adolescentes. Entre os presos, uma professora do Departamento de Filosofia da Uerj.

Em primeiro lugar, a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro vem a público REPUDIAR o decreto de prisão temporária, nitidamente para evitar protestos que seriam realizados na cidade por ocasião da final da Copa do Mundo.

decisão judicial que determinou as prisões baseia a privação da liberdade dos detidos no fato de que os mesmos estariam planejando atos de extrema violência para aproveitar a visibilidade da Copa do Mundo. Na prática puniu-se a cogitação ou os atos preparatórios de um delito que ninguém sabe se ocorreria e que não constituía crime.

Além disso, afirmou-se que haveria necessidade de atuação policial para impedir a consumação desses supostos atos que ocorreriam se os indiciados ficassem soltos. Ora, se a necessidade era de atuação policial, é de se perquirir o porquê da atuação do Judiciário no episódio, e não apenas da polícia, e se a violência realmente ocorresse.

Para completar, a decisão que determinou as prisões é genérica, não fazendo referência aos elementos informativos colhidos ao longo da investigação. Não diz de qual deles foram extraídos os indícios de autoria do crime de associação criminosa e tampouco expõe de que maneira a liberdade dos indiciados impediria a identificação e localização de coautores, bem como de que forma comprometeria a investigação.

Ninguém concorda com a violência que explodiu nos últimos protestos, mas não é se utilizando de expedientes igualmente violentos que se combaterá os excessos dos manifestantes. Afinal, protestar não é crime. Sem liberdade de manifestação e direito ao dissenso não há democracia. As prisões, da maneira que foram realizadas, nos fizeram reviver páginas infelizes da nossa história. Diante de tal afronta ao Estado Democrático de Direito, a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro não pode se calar.

Mas, em segundo lugar, a ADPERJ lamenta que mais uma vez a Defensoria Pública tenha permanecido inerte, deixando de atuar politicamente diante de tamanha violação de direitos. Independentemente de os réus estarem ou não assistidos pela Defensoria Pública, a Instituição tem o dever de desempenhar política preventiva, para evitar tais atentados. Não se está falando do Defensor do feito de origem ou mesmo da Defensora do plantão noturno, que, procurada por alguns familiares, impetrou sete HCs, todos denegados.

A questão aqui é a ausência de uma atuação organizada e específica para esse momento, a ser comandada pela Administração Superior, que mesmo tendo sido cobrada por ofício expedido pela ADPERJ para organizar uma atuação especial para esse período de Copa, em que eram esperados abusos por parte do Estado, quedou-se inerte.

Fere o silêncio eloquente da Chefia da Defensoria Pública, tão proativa em outros lamentáveis momentos. Por que diante de tamanha arbitrariedade nada foi dito ou feito pela cúpula de nossa Instituição? Mais uma vez quem ocupou todo o espaço foi a OAB. A imprensa sequer lembra que existe uma Instituição que é “expressão e instrumento do regime democrático”, nas palavras do Constituinte, e que por via de consequência não poderia assistir, de longe, às prisões sem sequer se pronunciar a respeito.

Pessoas foram detidas, levadas para a Cidade da Polícia e transferidas para Bangu sem qualquer atuação especial da Defensoria Pública. De nada adianta vivermos formalmente em um Estado Democrático de Direito, quando articula-se uma enorme violação a direitos humanos, e a Instituição que poderia evitar esse atentando encontra-se alheia a tudo, como se não tivesse esse dever.

A Copa acabou e, finda a festa, voltamos à nossa dura realidade. Até quando vamos abrir mão do nosso papel constitucional?

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