Lei da ditadura é usada para investigar manifestantes

Renato de Almeida (à esquerda) foi um dos convocados a depor (Piero Locatelli/CartaCapital)
Renato de Almeida (à esquerda) foi um dos convocados a depor (Piero Locatelli/CartaCapital)

Em Curitiba, ao menos 25 foram intimados a depor na Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional. Por Piero Locatelli

por Piero Locatelli, Carta Capital

A Polícia Federal está usando a Lei de Segurança Nacional para investigar manifestações contra a Copa do Mundo. Ao menos 25 manifestantes foram chamados a depor nesta segunda-feira 16 na sede da PF em Curitiba. No mesmo dia, era realizado o primeiro jogo do evento na cidade, entre Nigéria e Irã.

De acordo com a intimação, emitida na sexta-feira 13, o inquérito é destinado a “apurar eventual ocorrência dos delitos previstos (…) na Lei de Segurança Nacional (…) tendo em vista a notícia de que pessoas e grupos organizados estariam atuando de forma a extrapolar, de forma violenta e coordenada, o livre direito de manifestação política e social garantido pela Constituição, promovendo a depredação do patrimônio público e privado e a agressão de servidores ligados à segurança do Estado.”

A lei foi aprovada no final da ditadura civil-militar, em 1983. Diversas entidades têm feito uma campanha pedindo sua revogação, incluindo a Ordem dos Advogados do Brasil, e já levaram este pedido a cortes internacionais.

Os manifestantes foram chamados a depor com base em dois artigos desta lei. Um deles contém o crime de “praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, estaleiros, portos, aeroportos”. O outro, que pode levar a até quatro anos de prisão, consiste, entre outros delitos, em incitar “a subversão da ordem política ou social” ou “luta com violência entre as classes sociais”. Além desta lei, o Código Penal também serviu como base das acusações do inquérito.

Em outubro do ano passado, a lei havia sido usada contra dois manifestantes em São Paulo. Desde então, porém, as investigações sobre protestos em São Paulo e no Rio de Janeiro não a haviam usado, o que leva os casos nestes estados a ficarem restritos à Polícia Civil.

“Eu achei que estava tendo uma conversa da ditadura com um subversor”

A reportagem de CartaCapital conversou com dois manifestantes que foram chamados a depor como testemunhas no processo. Ambos faziam parte do Núcleo Periférico, grupo de jovens do PSOL na periferia da cidade, e haviam participado de manifestações contra a Copa do Mundo neste ano.

Eles contam terem sido questionados se algum país financiava a sua participação em manifestações, se eram black blocs e se entendiam de explosivos. “Achei as perguntas ofensivas, porque todas caminhavam no sentido de chamar a gente de terrorista. Eu achei que estava tendo uma conversa da ditadura com um subversor,” diz Renato de Almeida, 28 anos, assessor jurídico na Defensoria Pública.

Ao começar a ouvir o depoimento do estudante Watena Ferreira Tchala, de 21 anos, a delegada Patrícia Sarkis disse que o objetivo do inquérito não é levar medo as manifestantes. “O depoimento em questão não tem o objetivo de obter informações referentes a posicionamentos políticos e ideológicos do depoente ou servir de estratégia para limitar o seu direito à livre manifestação do pensamento, mas identificar as pessoas que porventura estejam se valendo de tais direitos e deles abusando para a prática de condutas violentas que ameaçam e expõe a população a risco, bem como causam danos ao patrimônio público e privado,” conforme consta no termo de depoimento.

A Polícia Federal foi procurada mas não respondeu aos pedidos de esclarecimento da reportagem.

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