Dois anos após massacre de Curuguaty, camponeses paraguaios denunciam perseguição

Líderes denunciam que trabalhadores sem terra são impedidos até de plantar para alimentar as famílias; mais de 40 pessoas respondem a processo

Vanessa Martina Silva – Opera Mundi

“Um dia decidimos plantar mandioca, milho e feijão para alimentar as famílias desalojadas no massacre de Curuguaty. Uma semana depois recebemos a notificação. Fomos acusados de invasão de propriedade particular”. A história foi contada a Opera Mundi por Martina Paredes, membro da comissão de vítimas do massacre que neste domingo (15/06) completa dois anos. Em sua defesa, ela diz que as famílias precisavam do cultivo para sobreviver.

Familiares das vítimas no primeiro ano de aniversário do masscre
Familiares das vítimas no primeiro ano de aniversário do massacre

Martina perdeu dois irmãos, Fermín e Luís Paredes, no confronto que resultou em 17 mortos, sendo 11 deles camponeses e seis policiais. Quatro de seus 11 irmãos viviam no assentamento. Ela não estava no local da tragédia e sim em uma colônia na vizinhança. “Mas aquele 15 de junho mudou minha vida”, conta.

Ao ser questionada sobre como vivem os que lutam pela terra no Paraguai, a resposta é um breve “se vive”. A causa não é popular, conta a camponesa de 34 anos, e os trabalhadores sem-terra “têm pouca força. Falta consciência às pessoas, sobretudo aos mais jovens”, diz. “Eu mesma não entendia muito da luta pela terra. Agora, a cada dia que passa entendo mais e melhor o que acontece. Aqui [no Paraguai], os empresários estão contra os camponeses”.

As consequências do massacre estão em toda parte. “Há muita sequela, crianças ficaram seus os pais, mulheres perderam os filhos, os maridos e muitos estão sendo processados”. Hoje, as famílias vivem parte na beira da estrada, parte na colônia Yvy Pytã.

(In)justiça

“Nós não somos contra a investigação das mortes dos policiais, mas pensamos que também precisam ser apuradas as mortes dos camponeses”. Até o momento, somente os trabalhadores rurais foram condenados pelo massacre. “Tem que investigar quem matou quem. Nós camponeses, temos poucos recursos e somente nós fomos presos e processados”. “No total, 43 pessoas estão sendo processadas por algum envolvimento na morte dos policiais”, conta Martina.

Os líderes sofrem perseguição, conta. “Mariano Castro perdeu um dos seus filhos no massacre e agora tem dois deles em prisão [domiciliar]. Como eu [e Darío Acosta] ele foi condenado por fazer o cultivo para a família sobreviver”. 

O Estado não dá nenhuma ajuda às vítimas. O dinheiro que recebem é proveniente de algumas ONGs, “mas não chega de forma direta e não é suficiente porque somos vários”.

Muitos que vivem em Curuguaty precisam de auxílio especial. “Tem uma senhora, Dominga Ortega de 50 anos, que perdeu seu único filho, Luciano Ortega (18), no massacre e está entre as pessoas que estão sendo processadas”. Sem nenhum amparo governamental, ela precisa de medicamentos porque sofre de “câncer terminal”. “O sistema de saúde não é público e esta doença não pode esperar, ela sente muita dor”. Para ir a Assunção para realizar a consulta e comprar os remédios que precisa, Dominga pretende rifar uma panela elétrica em 15 de junho, quando será realizado um ato para lembrar o massacre.

Manifestação durante primeiro aniversário do massacre, nas terras reapropriadas
Manifestação durante primeiro aniversário do massacre, nas terras reapropriadas

Qué pasó em Curuguaty?  

A pergunta sobre o que aconteceu em Curuguaty segue pertinente no Paraguai. Até o momento, não há respostas sobre os responsáveis pelo massacre e diversas denúncias sugerem que os camponeses não foram responsáveis pelas mortes dos policiais.

Os doze camponeses investigados pelas mortes estão em prisão domiciliar. “Eles estão com custódia policial e não podem sair para trabalhar, mas precisam sustentar suas famílias”, conta Martina. Espera-se que o julgamento ocorra entre 26 de junho e 11 de julho.

Os dois mil hectares da terra foram doados em 1967 para a Armada do Paraguai pela empresa Industrial Paraguaya. Em 2004, a terra foi transferida oficialmente ao Indert. “É quando o poder executivo, através de um decreto, declara o terreno de interesse social, e se destina para reforma agrária”, como explicou Ignácio Vera, ex-diretor regional do Indert à Agência Pública.

Pouco depois a empresa Campos Morumbi entrou com um pedido de usucapião – e o pedido foi acatado na justiça local. De acordo com reportagem publicada pela agência, Blas N Riquelme entrou com outro pedido na justiça, para transformar o terreno – totalmente desmatado e com plantações de soja – em uma reserva natural. Este pedido também foi acatado, e o terreno foi registrado como “Reserva Natural Campos Morumbi”.

“Agora, as famílias não conseguem [que esta terra seja destinada à reforma agrária] porque está em uma reserva natural. Mas sabemos que ali se planta soja”, conclui Martina.

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