Aula de violência nas escolas de Minas Gerais

Flávio Tavares/Hoje em Dia
Flávio Tavares/Hoje em Dia

Alessandra Mendes – Hoje em Dia

Setenta casos de violência são registrados por dia, em média, em instituições de ensino de Minas, públicas ou privadas. São quase três ocorrências por hora. De janeiro a abril deste ano, foram 8.513 relatos de lesão corporal, ameaças, agressões, tentativas de homicídio, furtos e outros tipos de crime em colégios no Estado. Situações que refletem as mazelas da sociedade na qual a comunidade escolar está inserida.

Só em Belo Horizonte, houve dez notificações diárias nos quatro primeiros meses de 2014, segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). Exatas 1.207 no período. 

Drama

“Sonho com uma escola sem confusão, sem pichação, sem briga, com professores e aula todo dia. Não quero mais ter medo de ir pra lá estudar. Você acha que consigo uma assim?”, questiona uma menina que, apesar de ter apenas 11 anos, parece entender o tamanho deste drama social. Moradora do bairro Pindorama, região Noroeste de BH, a garota relata com naturalidade os episódios de violência que presencia diariamente no local onde estuda.

“Meninos brigam no recreio e dentro da sala, estouram bombas e assustam todo mundo. Já vi uma aluna cortando outra com um pedaço de vidro no meio de uma confusão. Eles pegam o material da gente e não podemos fazer nada”, conta a estudante, que cursa o 7º ano na Escola Estadual Doutor Lucas Monteiro Machado.

A avó da garota, uma dona de casa de 54 anos que pediu anonimato por temer represálias à neta, também não se sente segura para mandar a criança para a escola. “É muito difícil deixá-la ir sabendo dessa situação. Todo dia, ela chega contando uma coisa absurda. Se tivesse vaga, já estaria em outro colégio, mas não temos opção”, explica.

Sem apoio

Diretor da E. E. Doutor Lucas Monteiro Machado, Márcio Luiz Gonzaga conta que os educadores se sentem desamparados. “Você requisita a ajuda da família, mas não há interesse porque os jovens também são problemáticos em casa. Para os pais, os filhos se tornaram um peso, e a escola é vista como depósito”, diz.

Por semana, a instituição registra pelo menos dois casos de violência. Professores estão de licença médica porque foram ameaçados. O vice-diretor está afastado desde março, após ser jurado de morte por alguns alunos. O profissional teve, inclusive, que mudar de casa.

“Parte dos estudantes acabou transferida, um foi suspenso, mas a situação ainda está fora de controle. A tratativa tem que ser feita de forma mais ampla, já que é um problema da sociedade e não da escola em si”, diz o diretor.

Na mira

“O professor, por causa dessa degradação dos processos internos da família e também da impunidade, passa a ser aquele que impõe o limite e vira alvo. A escola tem que fazer diferença, mas não pode tomar o papel da família de educar. Se o pai acha que não tem compromisso e que a escola vai resolver, isso é muito grave”, afirma a secretária de Estado de Educação, Ana Lúcia Gazzola.

No caso de indisciplina, a resposta é pela via educacional. Quando há violência, a saída vai de medidas socioeducativas a intervenções por parte da Polícia Militar. Mas, em qualquer caso, o direito à educação é primordial. “Uma das condições para a escola cumprir a missão é a característica de paz e convivência cordial. A violência é resultado da própria maneira como hoje os conflitos são resolvidos: sem diálogo”, ressalta a secretária.

Minientrevista: Ana Lúcia Gazzola

Como a senhora avalia a questão da violência nas escolas?
É um problema da sociedade contemporânea, da qual a escola faz parte. Ocorre violência dentro do espaço escolar? Sim, mas estatisticamente ela é menor do que no entorno da escola e muito menor do que no espaço urbano como um todo. Nem por isso deixa de ser relevante e preocupante, porque a escola, por sua natureza, precisa acolher e dar segurança.

A que podemos atribuir esse problema, que pode se apresentar das mais variadas formas?
É resultado da violência social e da própria maneira como hoje os conflitos são resolvidos: sem diálogo. Hoje, ao invés da mediação, muitas vezes nas festas, trânsito, bares e escolas nós recorremos ao enfrentamento. A situação ainda se agrava por causa do problema com as drogas, particularmente o crack.

Que trabalho tem sido feito para tentar resolver a situação?
Primeiro devemos diferenciar a violência da indisciplina. A ação que tem melhor resultado na tratativa dos casos é o envolvimento com a comunidade. Quando a comunidade abraça a escola e vice-versa, tudo funciona melhor. O envolvimento das famílias na escola é bom para tudo. Para não ter assalto, para não ter violência e para ter paz.

Chance de paz após disparos

Inerente à sociedade, e não à escola em si, a violência deve ser tratada como tal. Quem testou e aprovou a fórmula garante que o segredo para combater o problema está justamente no entendimento desse conceito e na aplicação diária dele. Com essas armas, uma instituição estadual que fica em uma área de baixa renda em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH, vem conseguindo superar as adversidades.

“No começo, parece até uma coisa impossível, mas não é. O trabalho em grupo, envolvendo toda a família, e o diálogo, são fundamentais. O desafio é constante, mas devemos abraçar a causa”, explica Valéria Souza de Brito, vice-diretora da Escola Estadual Ephigênia de Jesus Werneck, no bairro Dona Rosarinha.

As circunstâncias que levaram ao aprendizado foram drásticas. A escola foi palco de brigas entre alunos e até de uma dupla tentativa de homicídio, em julho do ano passado. Um jovem de 19 anos, que cursava o 1º ano do Ensino Médio, baleou dois colegas, de 15 e 16. O autor dos disparos alegou ser vítima de bullying.

“Foi um trauma para todos, e o choque nos fez parar para pensar no que fazer. A saída veio da união entre pais, professores, alunos e comunidade em geral”, afirma Valéria. “Deixamos bem claro que a escola é de todos, e, portanto, todos foram chamados a compartilhar a responsabilidade”, lembra a vice-diretora.

Dentro dos muros, os alunos foram incentivados a trabalhar em torno de um tema: a paz. Textos, seminários, atividades interdisciplinares e até um concurso foram realizados.

Tudo isso culminou em um grande ato realizado há duas semanas, com a participação da comunidade. “É muito gratificante ver mudanças e perceber que estamos no caminho certo”, diz Valéria.

Na rede privada, professor abre mão de emprego

A violência não faz distinção entre classes sociais e atinge também as instituições de ensino privadas. A diferença é que, nesses locais, o problema é tratado de forma velada e muitas vezes não vem à tona. Vítimas de agressão, ameaça e outros tipos de crime acabam castigadas mais uma vez, ao serem aconselhadas a esconder a situação.

“Acontece porque a relação é mercantilista. Pensa-se mais na imagem da escola, no que isso pode trazer como consequência, do que em como lidar com a situação. A violência nas instituições privadas é tão presente quanto nas públicas”, avalia o presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro Minas), Gilson Reis.

Por causa desse tipo de conduta, foi criado um mito de que as escolas particulares não eram palco de violência. Mas pesquisa realizada pelo sindicato em 2009 mostrou o contrário. Vinte por cento dos docentes ouvidos alegaram já terem presenciado tráfico de drogas na instituição de ensino e mais da metade (62%) disse ter assistido a uma agressão verbal. O estudo apontou ainda que 39% dos professores relataram ter visto situações de intimidação e 35%, ameaças.

“A instituição de ensino, seja ela qual for, acaba refletindo a realidade da sociedade. É inegável que vivemos em cidades mais violentas a cada dia, e isso acaba indo para dentro das escolas”, explica Reis.

Uma das consequências é a evasão de professores. De janeiro a maio deste ano, 2.805 docentes deixaram os cargos. Do total de baixas, 37% foram a pedido dos próprios educadores.

“Muitos desses profissionais saíram por causa do desgaste e do estresse causado pela violência. É preciso trabalhar a radicalização da democracia nas escolas. Todos devem ser ouvidos e, juntos, procurar a melhor saída”, aposta o sindicalista.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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