Exploração sexual de crianças e adolescentes é outro legado do agronegócio

mapa feito pela comunidade destaca a concentração de prostíbulos no trajeto entre a comunidade e as plantações do agronegócio. | Fonte: V. M Pessoa, arquivo pessoal.
mapa feito pela comunidade destaca a concentração de prostíbulos no trajeto entre a comunidade e as plantações do agronegócio. | Fonte: V. M Pessoa, arquivo pessoal.

Lançado na Semana Nacional de Luta contra o Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, durante o III ENA, Dossiê aponta aumento de 60% nos índices de prostituição e exploração sexual no entorno dos perímetros ir

Monyse Ravena – Asacom

A Presidente Dilma Roussef sancionou a lei que torna hediondo o crime de exploração sexual de crianças e adolescentes. De acordo com o Disque 100 do Governo Federal, em 2013, foram registrados em todo Brasil 33.000 casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Só a cidade de Fortaleza (CE) contabilizou 1.246 denúncias em 2013. Também aparecem com número alto de casos aparecem os estados da Bahia com 4.303 denúncias e Minas Gerais com 3.563. Das denúncias recebidas entre 2003 e 2010, 83 % das vítimas são do sexo feminino, a faixa etária mais atingida é entre os 12 e 17 anos.

Organizações da sociedade civil e de direitos humanos vêm denunciando a existência e a prática de redes de exploração sexual e ausência das redes de proteção do Estado, em especial entre 18 e 23 de maio, na Semana Nacional de Luta contra o Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A escolha da data foi uma lembrança a toda a sociedade brasileira sobre a criança sequestrada em 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Sanches, então com oito anos, quando foi drogada, espancada, estuprada e morta por membros de uma tradicional família capixaba. 

No contexto do Semiárido brasileiro, em diversos casos, o agronegócio fomenta a exploração sexual. Não é à toa que a implantação dos perímetros irrigados na Chapada do Apodi (RN\CE) é chamada pelas comunidades locais de Projeto da Morte. A iniciativa, capitaneada pelo Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), consiste na desapropriação de 13.855 hectares, só no lado Rio Grande do Norte e 13.229 hectares no lado cearense, para a implantação de um programa de fruticultura irrigada sob o comando de quatro grandes empresas, deslocando de maneira forçada cerca de seis mil agricultores que vivem em 30 comunidades na região. Algumas famílias estão lá há mais de 50 anos.

Além de todos os problemas ligados ao intenso uso de agrotóxicos e da expulsão das famílias de seus territórios, esse projeto de morte traz também, vários impactos para a vida das meninas e mulheres dali. “No entorno do perímetro irrigado houve um incremento de 60% nos índices de prostituição e há relatos de famílias da região do aliciamento de adolescentes para fins de exploração sexual. Isso também acontece porque as famílias são expulsas de seus territórios com a chegada do agronegócio e migram para as cidades”, afirma Tárzia Medeiros, da coordenação da ASA Potiguar e da Marcha Mundial de Mulheres.

Os dados que Tárzia apresenta também estão contemplados no dossiê “Perímetros Irrigados: 40 anos de violação de direitos no semiárido” (Veja aqui), que é resultado do trabalho de 23 pesquisadores de diversas áreas, entre elas Geografia, História, Direito, Meio Ambiente e Saúde.  Além da Universidade Federal do Ceará, participaram do estudo pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade Estadual Vale do Acaraú, também naquele estado. Contribuíram ainda a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. De acordo com a professora da UFC Raquel Rigotto, o estudo partiu de uma demanda do Movimento 21, que reúne movimentos sociais do campo como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e organizações sociais como a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Ainda segundo Rigotto, como alguns cultivos contam com trabalho temporário e sazonal, muitos trabalhadores homens migram atrás do emprego sem suas famílias (.) “As pesquisas têm mostrado aumento da exploração sexual e, especificamente no distrito de Lagoinha, em Quixeré/CE, o índice de gravidez na adolescência é três vezes maior que a média nacional”, afirma a professora.  A construção de grandes obras segue a mesma lógica. De acordo com o Conselho Tutelar do município de São Gonçalo do Amarante no Ceará, após a instalação do Complexo Portuário do Pecém, em 2002, a exploração sexual aumentou entre 35 e 40%.

Também no âmbito dos megaeventos muitas das cidades que irão sediar os jogos da Copa do Mundo lideram ocorrências de violação sexual contra criança e adolescentes, em especial, Fortaleza, Natal e Salvador. De acordo com Magnólia Said, advogada e técnica do Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria, “a exploração sexual de crianças e adolescentes é fomentada pela pobreza e pela falta de acesso aos direitos básicos. Em períodos de seca, é natural que isso se agrave. Basta que se comparem os Estados mais atingidos pela atual seca no Nordeste, com os dados da exploração sexual”.

As redes de aliciadores atuam nas capitais e no interior dos estados e nela estão envolvidos: políticos, empresários, hotéis, taxistas, policiais, agências de turismo, donos de barracas de praia e imobiliárias. Segundo o Governo Federal, durante o período do Mundial o Disque 100 terá reforço de 30% no número de atendentes.

 “Sabemos que numa sociedade capitalista, que tem como base a exploração, o lucro, as grandes corporações, o agronegócio, etc, as crianças e adolescentes são as principais vítimas, muitas vezes sofrem no silêncio, por não ter instrumentos de expressão de voz, dos seus direitos e por ações dos adultos”, afirma Vera Carneiro, do Movimento de Organização Comunitária (MOC), da Bahia. Para Tárzia Medeiros, “Esse modelo de desenvolvimento é predatório, reforça o patriarcalismo e o racismo com a convivência do Estado. A cultura machista e patriarcal contribui para a manutenção da exploração sexual”.

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