Depoimentos na Comissão Nacional da Verdade Indígena podem levar a ações de reparação contra o Estado

Evento inédito reuniu indígenas de seis etnias em Dourados (MPF/MS)
Evento inédito reuniu indígenas de seis etnias em Dourados (MPF/MS)

Relatos de violências contra as etnias de MS, com participação de agentes públicos, vão compor relatório final da Comissão, a ser entregue ao governo federal

Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul

A 2ª Audiência da Comissão Nacional da Verdade em Dourados (MS), realizada de 24 a 26 de Abril, tratou da violação de direitos indígenas entre 1946 e 1988, principalmente por agentes estatais. As informações, documentos e depoimentos desta segunda audiência vão somar com as já colhidas pela Comissão Nacional da Verdade em 21 de fevereiro, na 1ª audiência da CNV voltada para os direitos indígenas no país.

Foram apresentados 11 casos de violação de direitos de 6 etnias: guarani-ñandeva, guarani-kaiowá, terena, ofaié, guató e kinikinawa. Eles farão parte do relatório final da CNV, a cargo de Maria Rita Kehl, que será entregue até o fim deste ano ao governo federal. “Eu espero que esse relatório também mostre não só as maldades que fizeram com os índios – isso vai mostrar com certeza – mas que mostre também como o Brasil ficaria pobre culturalmente, pobre como um país, uma nação, se não colaborasse para a recuperação dessas terras da cultura indígena”, afirma Maria Rita Kehl.

Para o procurador da República Marco Antonio Delfino, “é importante que nós entendamos este processo histórico, que ocasiona 60 suicídios ao ano. A violência sistêmica começou lá atrás, capitaneada pelo Estado brasileiro. Crimes foram cometidos, remoção de populações inteiras, para atender interesses particulares. Estamos resgatando o direito à verdade, à reparação e, principalmente, agindo para que isso não se repita”. Segundo ele, “os casos apresentados poderão servir como base para possíveis pedidos de indenização coletiva, ou outras ações compensatórias, em favor das comunidades indígenas”.

Na abertura do evento, no dia 24, o vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Marcelo Zelic, apresentou o Relatório Figueiredo, fruto de investigação sobre violência contra indígenas no país durante a ditadura militar. Zelic encontrou o documento – que se julgava desaparecido em um incêndio – que detalha torturas, prisões, remoções forçadas, mortes e outras violências contra indígenas, realizadas com apoio do extinto Serviço de Proteção ao Índio. Especialistas acompanharam os depoimentos devido à dificuldade dos indígenas com a língua portuguesa.

Veja a seguir resumos de alguns casos apresentados:

aniceta

A primeira depoente do caso Aldeia Takuara, Aniceta Iturvi, conta como foi a remoção forçada de sua comunidade, em 1953: “Muitas casas e ocas foram queimadas e as pessoas que não conseguiram fugir morreram queimadas”. Ela tinha por volta de 12 anos. O caso foi apresentado pelo procurador da República Marco Antonio Delfino.

eliel benites

A Cia Matte Laranjeira instala-se no território ocupado pelos guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul, após a Guerra do Paraguai. O tema da apresentação foi “Exploração do trabalho e violência nos ervais da Cia Matte Laranjeira (1968)”. O caso foi apresentado pelo pesquisador Eliel Benites (UFGD).

eder alcantara

“Remoção e venda das terras da Aldeia Buriti”. Depoente do caso é Noel Patrocínio. O pesquisador da mesa é o Prof. Ms. Eder Alcântara. A terra Indígena Buriti foi palco de confronto entre indígenas e policiais, durante cumprimento de ordem de reintegração de posse, em maio de 2013. O terena Oziel Gabriel foi morto com um tiro.

indigena bonifacio

O indígena guarani-kaiowá Bonifácio Reginaldo Duarte revelou que passou 3 anos e meio no Reformatório Krenak, mantido pelo governo militar em Minas Gerais, sofrendo torturas e trabalhos forçados. O caso foi apresentado pelo pesquisador Marcelo Zelic (Grupo Tortura Nunca Mais).

O reformatório Krenak foi criado em Governador Valadares (MG), pela ditadura militar (1964-1988), para abrigar indígenas que, na definição do regime, eram “insubmissos”. Assista a reportagem produzida pela Agência Pública de Jornalismo.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Marcelo Christovão.

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