Belo Monte: a bofetada na cara, por Claret Fernandes*

Imagem: SBT de Brasil Novo
Imagem: SBT de Brasil Novo

*para Combate Racismo Ambiental

Hoje (30/04) fecha o Hospital Natália Arraes em Brasil Novo, município atingido por Belo Monte. Sua continuidade impõe um custo mensal de R$ 250.000, sendo R$ 56.000 apenas de aluguel do espaço com a estrutura e, segundo os gestores públicos locais, a Prefeitura não suporta esse gasto.

Essa situação numa área onde se impõe um empreendimento de 30 bilhões de reais lembra a música tão cantada no tempo da Ditadura, ‘esse é um país que vai pra  frente’, enquanto lutadores eram exilados, torturados,  e a vida do povo ia para trás.

Definitivamente, por enquanto água e energia são mercadorias! O contrário disso é sonho, que pode materializar-se no Projeto Energético Popular com organização e luta.

O Natália Arraes é uma história grande! Mas não vamos impor ao  leitor o sacrifício de conhecê-la toda. Em síntese, a assistência à saúde aqui, talvez mais que em outras regiões do país, é tratada como um negócio. O chamado Custo  Amazônico é manobrado para aumentar os lucros em todos os ramos.

O único hospital em Brasil Novo é particular!

Com a chegada de Belo Monte, esse negócio do hospital ficou menos atrativo. Qualquer médico consegue ganhar o dobro com plantões para a barragem, em Altamira, cidade-polo da região.

A população de Brasil Novo vem reclamando do Natália Arraes a um tempão. Capitalismo é capitalismo, ainda quando envolve risco de morte.

Uma consulta chega a custar R$ 250,00. Um parto vai à cifra exorbitante de R$ 4.000,00. A não ser quando se dá um jeitinho, o negócio da saúde se mistura ao negócio da politicagem, e um parto é trocado por votos.

Maria de Jesus, conhecida carinhosamente  por Duta, moradora no Novo Horizonte, acampamento com 93 famílias organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens, tem um caso emblemático. E revela o grau de abandono e  o nível e precariedade da assistência à saúde.

Duda foi internada no Natália com hemorragia interna supostamente por causa de uma hepatite mal curada. Ela precisou de sangue. Duda tem ficado há meses entre a casa e o hospital, nessas idas e vindas intermináveis.

Pois bem! Seu companheiro, Roni, teve que se virar! Por sorte encontrou dois colegas de luta, Elisa e Iury, que levaram o sangue de Altamira para Brasil Novo e, assim, evitou-se o pior.

O incômodo de Duda, com o qual vem se debatendo há tempos,  exige uma intervenção cirúrgica ‘fora’. O caminho estava pronto, feito na cobrança, era só trilhá-lo. Hoje ainda, antes que o Natália se fechasse, ela seria transferida para um hospital em Altamira, lá faria consulta com especialista no dia 7 de maio e, em seguida, iria para Belém. Ao invés desse caminho acordado, porém, acabo de saber que Duda fora mandada para casa.

Ela corre risco, e as autoridades (in) competentes são responsáveis se algo pior vier a ocorrer-lhe.

Apesar de tudo, ela ainda encontrou e encontra apoio. Mas não é todo mundo que encontra gente que se mova pela questão humanitária. E  não se consegue, ainda que o quisesse, resolver todas as questões de política pública com a caridade. Por isso a Política Pública, com ‘P’ maiúsculo, é imprescindível.

Assistência à saúde aqui, na região de Belo Monte, é um calvário. Entre o povo se diz que o melhor mesmo é rezar para não adoecer.

As estações desse calvário aumentaram, significativamente, com a chegada da barragem. Se são quinze os passos da cruz, em alusão ao caminho trilhado por Jesus de Nazaré, agora se multiplicam, e sem a ressurreição prometida.

Ainda assim, com consultas salgados e algum descaso, a população de Brasil Novo sentiu antecipadamente o impacto do fechamento do Natália: ‘ruim com ele, pior sem ele’, dizem alguns.

É que, bem ou mal, o convênio entre Natália e SUS possibilita algum atendimento emergencial, ambulatorial. Esse sentimento de desamparo total mexe com o psicológico de muita gente, em especial os mais empobrecidos.

Muitos estão indignados!

A bem da verdade, o Natália é recurso público canalizado historicamente para uma iniciativa privada, ainda que seja um hospital.

É dinheiro do SUS alimentando um negócio de médicos. É suor da classe trabalhadora, materializado em impostos, sustentando um grupo de mandatários locais, do qual o próprio povo se torna refém.

O peixe morre pela boca! Gente morre pelo medo de perder ou de deixar de ganhar.

A saúde é um setor sensível e rende muitos votos! Mas, no senso comum, ao menos o básico do básico era garantido com o hospital aberto.

Belo Monte chegou com promessas de redenção sem via-sacra. Plantou-se na cabeça de muita gente  que o empreendimento era para melhorar a vida do povo. Houve quem acreditasse. Por isso muita gente o aceitou. Todo mundo quer melhorar de vida! Mas agora a obra e as promessas soam como  uma bofetada na cara. O fechamento do hospital é apenas uma das muitas, diariamente.

A questão é: vamos oferecer a outra face? Vamos? Há teologias que dizem isso. Mas o Evangelho está noutra direção.

O secretário de Saúde local tem se esforçado. Ele reconhece o trabalho dos médicos cubanos (2), do Mais Médico, e afirma que trabalham muito, ganham pouco, e tratam as pessoas com humanidade. Isso é realmente uma exceção!

A proposta do Secretário é uma sala de estabilização em Brasil Novo e contrato com hospital em Altamira para reserva de leitos.

Como não se trata de caridade, a sensibilidade não é suficiente. Sua boa vontade esbarra numa questão estrutural crônica sim, mas agravada por Belo Monte, que provoca uma pressão sobre os equipamentos da já precária assistência à Saúde em Altamira, tanto a pública quanto a privada. E isso tende a piorar com novos pacientes do Natália, agora fechado, desaguando lá.

Do ponto de vista do capital, tudo são negócios. E a regrinha de ouro é a tal lei da oferta e da procura.

O capital, então, está rindo com tudo isso: o negócio da saúde, da educação, da energia, da água, da prostituição, do minério, do alimento, do direito do atingido, da segurança, da multiplicação de igrejas, de ONGs. É um conjunto de negócios que se abre e vai a pleno vapor, alavancado por Belo Monte. A isso os capitalistas dão o nome de desenvolvimento.

É assustadora a inabilidade e o despreparo dos gestores públicos na promoção de políticas públicas. É revoltante ver o capital avançar a galope impondo retrocesso em direitos historicamente conquistados, como o girante que seque pisando formigas.

Mas bom mesmo é ver o povo se mexendo. Amanhã à tarde haverá encontro das (os) lutadores do povo em Altamira. Nos dias dois e três, as mulheres se reúnem. E na sexta-feira, acontece mobilização em Brasil Novo exigindo hospital público.

A crise poderá valer a pena se virar luta. As possibilidades são grandes. Pois não é a beleza do salto que faz o sapo pular. É o aperto!

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