STJ decide hoje se concede habeas corpus a quatro quilombolas de Brejo dos Crioulos

Comunidade brejo dos crioulosOs quilombolas estão presos desde 2012, doze dias após uma retomada de parte do território. No mesmo dia da retomada, um jagunço da fazenda ocupada foi morto. Não há provas concretas contra eles.

Por Raquel Salama, Articulação São Francisco Vivo

Acontece nesta terça-feira (22) às 14 horas, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, o julgamento do habeas corpus para os quatro quilombolas de Brejo dos Crioulos, no Norte de Minas Gerais, região do Alto São Francisco. O julgamento acontece na sexta turma e será conduzido pela Ministra Maria Tereza da Silveira.

Os agricultores familiares Edmilson de Lima Dutra e Sérgio Cardoso de Jesus estão entre os quatro quilombolas que permanecem presos. Eles estão entre os nove homens que tiveram a prisão preventiva decretada pelo Juiz da Comarca de São João da Ponte, Isaías Caldeira Veloso. Destes, cinco foram presos e quatro continuam nesta situação, o que é inconstitucional, já que não existem provas concretas contra eles e a prisão não foi feita em flagrante.

Ato Público pressiona soltura – Mais de 50 quilombolas se deslocaram da comunidade de Brejo dos Crioulos até Brasília para acompanhar o julgamento dos companheiros de luta. O Articulador do Alto São Francisco, Alexandre Gonçalves, está acompanhando o grupo e informou que neste momento acontece em frente ao STJ um Ato Público a favor dos quilombolas presos injustamente, com a participação de diversos movimentos e organizações sociais, dentre eles a Comissão Pastoral da Terra, Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Cáritas Brasileira, Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Associação Quilombola de Brejo dos Crioulos.

Entenda o fato – A prisão aconteceu 12 dias após uma retomada de parte do território da comunidade, com base em denúncia do Ministério Público. De acordo com o membro da Rede Nacional de Advogados Populares, Elcio Pacheco, a denúncia do MP, por sua vez, foi feita com base em bilhetes anônimos. “Além disso, os depoimentos das testemunhas são incongruentes”, disse.

Os advogados da comunidade ainda argumentam que todos são réus primários, têm residência fixa e a favor deles estão mais de 400 famílias vizinhas. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra do Norte de Minas, estas famílias os conhecem e através de um abaixo-assinado solicitaram a soltura dos mesmos. Acompanham o caso outros dois advogados populares da Rede: Roberto Rainha e Aton Fon.

O fato causa estranheza e faz supor que se trata, na verdade, de tentativa de criminalização do movimento quilombola, atuante desde 1999. O município de São João da Ponte está entre os três onde se situa o território de Brejo dos Crioulos. Ainda que consigam o habeas corpus, os quatro quilombolas ainda terão que aguardar em liberdade o julgamento na comarca do município.

Após intensas manifestações em Brasília, a presidenta Dilma assina decreto de desapropriação em 2011.
Após intensas manifestações em Brasília, a presidenta Dilma assina decreto de desapropriação em 2011.

Entenda o caso – A retomada aconteceu em 2012, quando a comunidade já tinha em mãos o decreto presidencial de desapropriação do território de Brejo dos Crioulos, que já havia sido identificado em 2003 através de Relatório Técnico de Delimitação e Identificação (RTDI), encomendado pelo INCRA.

Os cinco quilombolas presos estão sendo acusados de assassinato, mas não existem provas concretas contra eles. No mesmo dia da ocupação, um homem conhecido como Roberto foi morto e ainda não se sabe o autor do crime. De acordo com informações da Comissão Pastoral da Terra, ele é jagunço do prefeito de Vazerlândia, Felisberto Rodrigues Neto (PSB), que também é fazendeiro na região e precisou responder a uma queixa de tentativa de assassinato contra o líder quilombola José Carlos de Oliveira Neto, o Véio, de 52 anos, após outra situação de conflito pela terra no território.

José Carlos de Oliveira Neto, o “Véio”, denuncia que foi vítima de um atentado (Thais Mota)
José Carlos de Oliveira Neto, o “Véio”, denuncia que foi vítima de um atentado (Thais Mota)

Conflitos acontecem desde 2004 – Em janeiro de 2014, cerca de 120 famílias quilombolas de Brejo dos Crioulos reocuparam a fazenda do prefeito de Varzelândia, Felisberto, no referido território. Esta área, assim como os 17.302 hectares do território identificado, foi desapropriada pela presidente Dilma em 29 de setembro de 2011, após intensas manifestações do movimento quilombola em Brasília.

No dia 09 de janeiro do mesmo ano, Neto relatou para a Comissão Pastoral da Terra, por telefone, que o prefeito, o filho dele, e dois jagunços, em carros da Prefeitura de Vazerlândia, foram até a fazenda ocupada pelos quilombolas e os expulsaram a tiros. O Véio teve que fugir no meio da mata para não morrer. Logo após o despejo ilegal, colocaram gado na plantação dos quilombolas, que perderam todo o trabalho de roça realizado para o sustento das famílias.

Justiça Estadual está majoritariamente omissa – De 2004 até hoje, mais de 20 despejos legais e ilegais foram realizados no território, por policiais e jagunços e inúmeras vezes foi denunciada a presença de jagunços e milícias armadas na região, sem que o Ministério Público e a Justiça tomasse qualquer providência.

O encadeamento dos fatos mostra uma justiça majoritariamente omissa em relação aos crimes contra a comunidade quilombola e, ao mesmo tempo, determinada em criminalizar o movimento de luta pelo território. A Comissão de Direitos Humanos da OAB de Minas Gerais manifestou preocupação em relação ao conflito na região.

O RTDI e as possibilidades de desenvolvimento – Publicado em 2003 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o relatório oferece mais do que uma identificação da extensão do território. Em texto científico e ao mesmo tempo beirando o poético, o relatório traz uma rica mostra do patrimônio cultural material e imaterial construído pelas famílias ao longo dos anos de ocupação num lindo processo de convivência com o bioma.

É com base nesse relatório, mas acima de tudo nos saberes e fazeres da cultura local, que a comunidade busca promover seu processo de desenvolvimento, mas encontra dificuldades devido aos conflitos pela terra e à morosidade do governo na efetiva titulação do território, bem como na construção de políticas públicas e execução de programas que garantam o desenvolvimento das comunidades. Os movimentos sociais, incluindo o quilombola, reivindicam um desenvolvimento sustentável e solidário, a partir dos potenciais culturais e ambientais deste e de outras comunidades tradicionais do município e do território.

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