Morre o sindicalista e militante Bertinho do PT, em Casa Nova, Bahia

Surgido das lutas camponesas em Casa Nova, após a construção da barragem de Sobradinho (1978), Bertinho era uma pessoa especial e tornou-se um companheiro de fibra, abnegado lutador do povo. Forjou-o a resistência dos posseiros do Riacho Grande contra a empresa Camaragibe, financiada pelo Proálcool, patrocinada pela Ditadura Militar. Percebia como poucos seu papel de liderança e educador popular. Engajar-se na construção do PT foi um caminho abraçado com clareza e dedicação. Quando percebeu que crescia na região o desafio dos assalariados rurais e que os STRs (Sindicatos dos Trabalhadores Rurais) não lhes davam cobertura, empregou-se numa empresa em Santana do Sobrado e ajudou a organizar o SINTAGRO, primeiro sindicato regional da categoria no Nordeste. O sindicato conseguiu barrar um pouco da selvageria dos empresários da fruticultura irrigada nas relações de trabalho. 

Bertinho descansou de tanta luta contra o câncer no cérebro, sua última e mais dura! Ficam nossa gratidão, o exemplo e ainda mais clara a evidência do quanto carecemos hoje de Bertinhos! (Ruben Siqueira, CPT Bahia).

Obrigado, companheiro Bertinho! Presente!
Ruben Siqueira, CPT Bahia.

Bertinho do PT

ARTIGO: “MORRE UMA LENDA”

Por Anísio Filho, no Blog do Zé Carlos Borges

Para muitas pessoas que não participaram dos acontecimentos políticos, sociais e de luta dos trabalhadores por melhores condições de vida, na região do São Francisco, o título deste artigo pode soar como um exagero. Mas para aqueles que conheceram, conviveram e lutaram ao seu lado, isso não é nada mais que o mínimo a se dizer de Bartolomeu Santos, conhecido como “Bertinho do PT”.

Ainda menino, Bertinho teve participação ativa na luta dos moradores da comunidade de Riacho Grande, contra a tentativa de grilagem de terras pela empresa Agroindustrial Camaragibe, os quais resistiram por meses às violentas investidas da mesma contra os trabalhadores daquela localidade.

A partir daí, ele se engajou na luta em defesa dos movimentos sociais, especialmente aqueles ligados à luta dos trabalhadores rurais, tendo sido um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores em Casa Nova (BA).

Ainda em sua adolescência, participou da histórica luta pela direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Casa Nova, no início da década de 80, oportunidade em que os militantes de esquerda sofreram diversas ameaças, inclusive de vida, e cujo processo eleitoral foi extremamente irregular, o que causou a derrota dos trabalhadores para o candidato das elites políticas do município, naquela época.

Ainda nessa mesma década, Bertinho foi um dos fundadores da Liga Camponesa de Casa Nova, movimento que se mostrava a alternativa para uma legítima representação dos trabalhadores rurais, uma vez que a direção sindical da época não satisfazia aos militantes de esquerda da categoria.

Na década de 90, Bertinho intensificou sua luta em prol dos trabalhadores, período em que fez parte da direção da CUT – Central Única dos Trabalhadores, sendo reconhecido no meio sindical como uma das principais lideranças dos trabalhadores rurais em todo o Estado da Bahia. Tanto que em 1994, ele foi escolhido pela categoria como candidato a Deputado Estadual, tendo obtido uma votação expressiva para aquela época, sem que tenha sido possível sua eleição.

Após essas eleições, Bertinho e outros militantes de esquerda, como Domingos Rocha, chegaram à conclusão que os “assalariados rurais” estavam totalmente à míngua na região do São Francisco e que era preciso fazer algo para organizar tal categoria. Com esse objetivo e, aproveitando o desconhecimento dos grandes fazendeiros sobre sua história e sua identidade, Bertinho se infiltra como empregado de uma fazenda em Santana do Sobrado, para onde se muda com sua esposa Gil e seu filho, em 1995. Lá, ele começou a fazer um magnífico trabalho de base, convencendo seus companheiros de trabalho a fundarem um sindicato que os representassem de forma legítima.

Disso nasceu o SINTAGRO – Sindicato dos Trabalhadores em Agricultura, que atuava nos municípios da região de Juazeiro (BA). Como resultado, os assalariados rurais passaram de uma realidade de quase total informalidade, para a formalização de seus contratos de trabalho e vários outros direitos da categoria, tais como transporte em ônibus, ao invés dos chamados “pau-de-arara, que existiam até a fundação da entidade.

Recentemente, em disputa judicial com o STR – Casa Nova, o SINTAGRO perdeu para o mesmo o direito de representar oficialmente os assalariados rurais. Mas as conquistas históricas da categoria ficaram na história da região do São Francisco.

Em 1996, transferiu sua filiação política no PT para o município de Juazeiro, onde foi candidato a vereador e participou da administração de Joseph Bandeira, de 2000 a 2004.

Em 2006, Bertinho teve um câncer no cérebro diagnosticado. Por isso realizou uma cirurgia, na qual parte de seu cérebro teve que ser retirado, tendo sido afetado seriamente. Em virtude de tal lesão, ele ficou paralítico e com a memória comprometida. Lembrava de tudo que aconteceu antes do procedimento cirúrgico, mas não conseguia memorizar por muito tempo os acontecimentos recentes. A morte de seu pai, Antuniano Santos, há poucos anos, foi um desses acontecimentos que ele presenciou após passar por esse problema.

Desde sua doença, Bertinho vivia com enormes dificuldades, recebendo os cuidados de sua família e, muitas vezes, a ajuda dos amigos e, nos últimos tempos, seu estado de saúde se tornou cada vez mais crítico, até que nesta sexta-feira da paixão, dia 18 de abril, sua agonia chegou ao fim.

Resta-nos então reverenciar essa figura histórica, que dedicou sua vida útil à luta pela justiça, cidadania e liberdade do povo brasileiro, especialmente os do semi-árido.

Dono de um carisma marcante, de um poder de interlocução invejável e de um espírito de luta impressionante, Bertinho deixa um exemplo de dedicação às causas populares e uma história de militante combativo, corajoso e que não media consequências para lutar pelos menos favorecidos.

Essa história é muito maior do que as poucas linhas aqui relatadas sobre sua vida. Infelizmente, grande parte da juventude de Casa Nova e da região a desconhece. Assim como ele, muitos são os heróis anônimos que morrem esquecidos pelo povo pelo qual dedicaram suas vidas. Até quando?

Vai em paz, grande Companheiro.

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