Estudantes Guajajara no Maranhão não têm transporte escolar desde fevereiro

Pernas machucadas da menina indígenaPor Carolina Fasolo, Cimi

Mais de setenta estudantes do povo Guajajara da Terra Indígena (TI) Pindaré, localizada no município de Bom Jardim (MA), estão sem transporte escolar desde fevereiro, começo do ano letivo. A comunidade se articula como pode para transportar os alunos até o Centro de Ensino Indígena Januária, único que tem o Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Quando o caminhão está aqui na aldeia, juntamos dinheiro para colocar óleo diesel e levá-los até a escola, mas ultimamente não estamos mais dando conta de pagar”, diz Flauberth Guajajara, professor na região.

No começo dessa semana, Regiane Santos Guajajara, de doze anos, sofreu um acidente de bicicleta quando ia para a escola Januária, onde cursa a 7ª série. Depois do episódio, os indígenas retiveram um carro da Secretaria de Estado de Educação do Maranhão (Seduc) como forma de chamar atenção do órgão para as deficiências da educação indígena no Estado, que se estendem há anos.

Uma Ação Civil Pública foi protocolada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Estado do Maranhão em 2010, para que a administração pública garantisse o funcionamento ininterrupto do transporte escolar, assumindo o controle das atividades que eram prestadas por Associações Indígenas. Quatro anos depois, o transporte ainda é de responsabilidade dessas associações, que firmam convênios com a Secretaria de Educação e muitas vezes não prestam contas de suas atividades.

Flauberth explica que os problemas da educação indígena no estado vão bem além do transporte. “O cenário é calamitoso: as escolas não têm uma estrutura mínima, não há reajuste no salário dos professores desde 2009, o material didático demora meses para chegar aos alunos, não existe um projeto pedagógico específico para a educação indígena… A lista de dificuldades é extensa”. Apesar disso, a Seduc nunca recebeu ou procurou atender às reivindicações dos indígenas. “Protocolamos diversas vezes solicitações de reuniões, pedimos ao secretário, fizemos todas as formalidades necessárias e fomos simplesmente ignorados. Nunca recebemos sequer uma resposta da Secretaria”.

Os professores da educação indígena no Estado do Maranhão não são reconhecidos como categoria e não há concurso público para eles. Recebem de um salário mínimo a R$ 876, dependendo do nível de formação. Flauberth diz que a Seduc, apesar de descontar do salário dos professores a tarifa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nunca repassou o dinheiro ao órgão, onde os funcionários são registrados como lavradores. “Por isso, quem dá aula em escola indígena não tem direito à licença maternidade, aposentadoria, licença saúde ou qualquer benefício que deveria ser oferecido”, relata Flauberth.

A situação foi denunciada ao MPF, que em 2012 celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Secretaria, que se comprometeu a regularizar a situação perante o INSS e a realizar uma série de ações pela melhoria da educação escolar indígena no Maranhão. Dois anos depois, o único resultado concreto é um ‘Curso Intercultural Indígena’, que está em fase de elaboração para ser implantado na Universidade Estadual do Maranhão (Uema).

Rosemeire Diniz, da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na região, afirma que nenhuma das outras ações previstas no TAC saiu do papel. “A situação da educação indígena no Maranhão é uma das piores do país. As escolas são sucateadas, sem condições mínimas de oferecer um ensino adequado. Não existem bibliotecas, laboratórios, quadras esportivas ou qualquer tipo de apoio didático, nem para alunos nem para professores”.

Rosemeire diz que falta material pedagógico e administrativo para auxiliar os professores e que as escolas não têm merendeiras nem zeladores. Para não deixar os alunos sem alimentação, os professores tiram recursos do próprio salário para fazer a merenda. “Também temos que reduzir a carga horária das aulas para dar tempo de prepararmos a merenda e ainda fazer a limpeza das escolas. Não tem jeito, tem que ser a gente mesmo”, completa Flauberth.

Leia abaixo o documento elaborado pela comunidade a respeito da educação indígena na região:

Terra Indígena Pindaré

Bom Jardim – MA

Nota de utilidade pública

O povo indígena Guajajara da Terra Indígena Pindaré, Município de Bom Jardim-MA, vem por meio desta, comunicar, que por motivos de força maior, relacionados a problemas pertinentes à EDUCAÇÃO INDÍGENA, que há muito tempo tem se discutido e buscado apoio das autoridades competentes, no sentido de garantir nossa cidadania, amparados pela CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Problemas estes que passamos a expor: busca por uma EDUCAÇÃO de QUALIDADE e suas variantes como contratação de zelador e merendeira, situação de Gestor e Secretário escolar para as escolas indígenas, regularização do professor de escola indígena junto ao INSS, aumento de salário de professor, realização de concurso público para escolas indígenas, formação inicial, continuada e superior para professor, alimentação escolar, reforma e ampliação das escolas, construção de bibliotecas escolares, construção de quadras poliesportivas, construção de laboratório de ciências, matemática, informática entre outros, disponibilização de internet para todas as escolas, aquisição e distribuição de material didático, pedagógicos e administrativos, aquisição e distribuição de utensílios de cozinha, fardamento escolar, recurso do PDDE de algumas escolas que é repassado para a conta da SEDUC, mas não chega às escolas, e situação do modelo de fornecimento do transporte escolar indígena, onde podemos citar que recentemente, uma de nossas alunas sofreu um acidente de bicicleta indo para a escola devido a falta de transporte escolar, estando impossibilitada de frequentar às aulas até que esteja recuperada.

Todos esses itens mencionados mostram a atual situação pela qual passamos, aliados a outros problemas físicos das escolas, como péssimo estado de conservação, goteiras etc…  Vale ressaltar que já tentamos fazer uso do diálogo por várias vezes e nada conseguimos. Assim, apesar de sabermos, que medidas extremas só devem ser tomadas em ultima instancia, resolvemos reter o veículo de propriedade do governo do estado, a serviço da SEDUC, em nossa aldeia, com o objetivo de chamar a atenção dos responsáveis pela Educação Indígena, no sentido de buscar uma solução para nossos problemas.

Sem mais

Comunidades Indígenas da Terra Indígena Pindaré

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