Direitos sexuais e reprodutivos na agenda de desenvolvimento após 2015

reunião onu achoDhesca Brasil

A Relatoria do Direito à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil – integrou a delegação brasileira que participou da 47ª sessão da Comissão de População e Desenvolvimento da ONU, realizada entre os dias 7 e 11 de abril. A reunião teve como tema central a avaliação, 20 anos depois, da implementação do Programa de Ação (PoA) da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento de 1994. O artigo abaixo foi escrito pela Relatora Beatriz Galli*. Confira:

Avaliação dos resultados obtidos na 47ª sessão da Comissão de População e Desenvolvimento nas Nações Unidas e perspectivas para a inclusão da agenda dos direitos sexuais e direitos reprodutivos na agenda de desenvolvimento após 2015

A 47ª Sessão da Comissão de População e Desenvolvimento (CPD) que terminou na semana passada teve como tema central a avaliação, 20 anos depois, do estado de implementação do Programa de Ação (PoA) da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento de 1994. A Relatoria participou integrando a delegação brasileira na CPD juntamente com representantes de várias instâncias governamentais, do parlamento bem como de organizações e redes da sociedade civil.

A expectativa de obter um documento final de consenso avançado resultante da CNPD era grande, em parte devido ao processo de revisão regional na América Latina, e o documento resultante da Conferência Regional de Montevideo em  agosto de 2013, quando os governos da região adotaram o Consenso de Montevideo que avançou sobre temas importantes na agenda dos direitos sexuais e reprodutivos.

Relatório Global CIPD para Além de 2014, lançado em fevereiro de 2014 pelo UNFPA, também foi considerado um subsídio importante para o avanço da agenda no âmbito do processo de revisão em curso apontando para os temas negligenciados que deveriam ser objeto de atenção dos governos para o avanço da agenda de direitos humanos, população e desenvolvimento no futuro, tais como as altas taxas de aborto inseguro entre milhões de jovens entre 15 e 24 anos, a falta de acesso a educação sexual para prevenir as gravidezes indesejadas, o aumento da violência baseada em gênero, o casamento infantil precoce e forçado, e os desafios para garantir os direitos sexuais e reprodutivos devido a persistência de leis discriminatórias e das barreiras culturais e religiosas.

As negociações ocorreram em um clima de bastante tensão e antagonismo entre alguns países que defendiam o avanço na linguagem em termos de reconhecimento da “saúde sexual e reprodutiva e dos direitos”, tentando avançar na agenda para inclusão dos direitos sexuais. Os parágrafos relacionados a autonomia sexual e reprodutiva, o acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutiva de mulheres, jovens e adolescentes preservando a sua confidencialidade e privacidade e o acesso a educação abrangente em sexualidade também foram objeto de intenso debate, mas ao final foram incorporados no documento negociado. Alguns países da Ásia como a Índia, o Nepal, Filipinas, Papua Guiné defenderam a ampliação do acesso aos serviços de aborto legal e seguro como parte dos serviços integrais de assistência a saúde sexual e reprodutiva.

Os países da América Latina foram bastante atuantes na defesa dos direitos sexuais no documento com base no Consenso de Montevideo. Porém houve bastante oposição de países africanos, países árabes, do Vaticano, da Rússia e de países do Caribe, em relação a incorporação de referência aos direitos sexuais e a necessidade de eliminação de discriminação em relação aos direitos humanos dos grupos marginalizados e vulneráveis, incluindo a baseada em orientação sexual e identidade de gênero.

O Brasil apresentou propostas para eliminar todas as formas de discriminação com base na orientação sexual e a identidade de gênero apresentando propostas em temas relacionados a migração, juventude, população afro-descendente, violência contra as mulheres, reconhecimento da produtividade do trabalho doméstico não remunerado e o desenvolvimento de programas educacionais e materiais pedagógicos incluindo a educação abrangente para a sexualidade para adolescentes e jovens de forma consistente com a suas capacidades evolutivas, o desenvolvimento de políticas afirmativas para a população afro-descendente em políticas, programas e planos sob os princípios de igualdade e não discriminação.

Ao final de intensa negociação, com diversas falhas na condução por parte dos facilitadores e do Presidente da CPD, que estava sob a responsabilidade do Uruguai, na madrugada do dia 11 de abril chegou-se finalmente ao documento final consensuado da CPD, que reafirmou o reconhecimento da igualdade de gênero, saúde sexual e reprodutiva e direitos reprodutivos como temas prioritários para a agenda de desenvolvimento sustentável. O documento fez um chamado para os governos expandirem o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva para jovens e adolescentes que incluam educação com base em evidências sobre a sexualidade humana, medidas para prevenir e tratar o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.

O documento também chama os governos a treinar e equipar os profissionais de saúde para assegurar que nas circunstâncias em que o aborto não for contra a lei, o aborto seja seguro e acessível, e a intensificar esforços para alcançar o acesso universal para a prevenção, tratamento sem estigma e discriminação em relação ao HIV. O documento faz um apelo aos governos a respeitar, proteger e realizar os direitos humanos de mulheres, jovens e meninas incluindo a saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos para sua atuação contra a persistência de leis discriminatórias a sua aplicação injusta e discriminatória.

O documento final expressou extrema preocupação global com a continuidade da violência baseada em gênero e reiterou a necessidade dos governos intensificarem esforços para prevenir e eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e as práticas que causam dano, incluindo o casamento infantil, precoce e forçado bem como a mutilação genital feminina. Em seus discursos finais, 59 países apoiaram a referência aos direitos sexuais e fizeram um apelo para a necessidade de eliminação de discriminação e violência com base na orientação sexual e identidade de gênero, incluindo Filipinas, Africa do Sul, Ilhas do Pacífico, Vietnam, Nepal, Mongolia, Suriname, Estados Unidos, Australia, Noruega, União Europeia e os países latino-americanos.

O documento final consensuado reconhece a relevância dos documentos regionais do processo de revisão do PoA e dos progressos alcançados para a agenda após 2014 e faz menção aos elos existentes entre as prioridades do PoA e o desenvolvimento sustentável para a agenda de desenvolvimento pós 2015 que irá substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que expiram em setembro de 2015. Os governos irão reunir-se novamente em Setembro de 2014 para renovar o seu compromisso político para implementar ações para o alcance das metas do Programa de Ação do Cairo.

*Beatriz Galli – Relatora do Direito Humano a Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil.

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