Justiça nega pedido de juíza para censurar este blog, por Leonardo Sakamoto

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O juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, da 15a Vara Cível de Brasília, proferiu sentença em que negou o pedido de indenização da juíza do Trabalho Marli Lopes da Costa Goes que processou este blog e o UOL por conta de um post aqui publicado.

O texto tratava de uma decisão da magistrada, atendendo a um pedido de liminar em mandado de segurança movido pela empresa Infinity Agrícola. Sua decisão suspendeu um resgate de trabalhadores que foram considerados em condição análoga à de escravos pelo Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho. As vítimas estavam em uma fazenda de cana no município de Naviraí, Estado do Mato Grosso do Sul e, entre eles, trabalhadores das etnias Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva e Terena. Posteriormente, o Tribunal Regional do Trabalho da 10a Região revisou a decisão da juíza, permitindo que as ações relacionadas à fiscalização continuassem.

“A questão que se põe, então, é a seguinte: os réus têm o direito de publicar críticas a uma decisão judicial? A resposta afigura-se categórica e definitivamente afirmativa”, decidiu o juiz em sua sentença emitida no último dia 03 de abril.

Na ação, Marli Lopes da Costa Goes solicitou que a notícia e os comentários dos leitores fossem retirados do ar. E que eu não divulgasse mais nada relativo à sua reputação sob pena de multa de R$ 10 mil/dia. Quanto ao mérito da ação, pediu indenização por danos morais que teriam sido causados pela matéria e pelos comentários. O valor deveria ser o suficiente para que “desmotive de praticar ilícitos semelhantes em sua atividade de blogueiro e formador de opinião na internet”. Também solicitou que “diante da natureza dos fatos alegados”, o processo corresse em segredo de justiça.

“Cada vez mais frequentemente o Judiciário afirma a importância da liberdade de expressão e da imprensa livre no exercício da democracia”, afirma Taís Gasparian, advogada deste que vos escreve e do UOL no caso. “A proibição de mencionar o nome de pessoas é censura, expressamente vedada pela constituição.”

A curta sentença de Carlos Frederico Maroja de Medeiros é uma pequena aula do Judiciário sobre a liberdade de expressão. Deveria ser usada em faculdades de jornalismo e direito. Seguem alguns trechos:

Sobre ditadura, democracia e liberdade de expressão – “No corrente mês (abril de 2014) o país recorda, não sem certa amargura, o cinquentenário do nefasto golpe de estado que inaugurou duas décadas de uma ditadura que só começou a ser debelada com a ruptura constitucional de 1988. Ao promulgar a nova Constituição, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães resumiu o espírito de uma nação cansada da violência e desmandos do estado totalitarista, ao afirmar que a nova Carta era inspirada pelo “ódio e nojo à ditadura”. Não por acaso, o texto então consagrado recebeu a alcunha de “Constituição cidadã”, tamanho o cuidado no restabelecimento dos direitos políticos e instituição de garantias de sua preservação, visando a construção/reestruturação da nação sob o novo paradigma do estado democrático de direito.

No período mais tardio da ditadura militar, quando os poucos destemidos juízes que se insurgiram abertamente contra o poder golpista, já tinha sido ‘expurgados’ e os demais ou manifestaram sua adesão ou recolheram-se a uma submissão pusilânime ou temerosa perante o regime então instalado, os representantes do governo autoritário costumavam afirmar, de modo um tanto cínico, que ‘decisão judicial não se discute, apenas cumpre-se’. Trata-se de um mantra até hoje repetido, mas que tem alcance mais limitado que o que geralmente se lhe é atribuído.

Decisão judicial se discute sim, senão pelas vias regulares do recurso judicial, também pelos canais de comunicação social. Não são atos incontestáveis ou insuscetíveis de críticas.(…)

Na liberdade de expressão, encontra-se o direito de formulação de críticas, eis que obviamente tal liberdade não se presta apenas para a veiculação de elogios ou mesuras. Do jornalista, assim como do advogado, espera-se exatamente o senso crítico, o saudável atrevimento e o destemor de apontar o que se reputa injusto ou errado, o que não se faz por meio de linguagem floreada ou submissa.

Dentre tantas coisas odiosas e nojentas típicas da ditadura, a repressão ou cerceamento à liberdade de expressão, fato que se denomina “censura”, foi veementemente repudiada pela ordem constitucional cidadã, pelas razões acima expostas.”

Sobre a matéria: “Enfim, a conduta dos réus é perfeitamente legitimada pela ordem constitucional. Como ressaltado na decisão inaugural, na realização do labor jornalístico, Leonardo tinha não apenas o direito, mas o múnus público inerente à sua atividade, de compartilhar as informações com seus leitores. Se o ato foi praticado em conformidade com a Constituição, não há que se falar em conduta ilegal de quem o praticou, o que afasta a responsabilidade civil.”

Sobre a responsabilidade do UOL e do jornalista pelos comentários feitos por internautas: “Não se pode considerar como inerente à atividade jornalística, mesmo quando veiculada no formato de ‘blog’, a ocorrência de ofensas à pessoa enfocada em dada matéria. Trata-se de acontecimento fortuito e circunstancial, não inerente à atividade dos réus. Reitere-se: os comentários ofensivos de terceiros não são decorrência normal da atividade jornalística, não se podendo imputar ao jornalista e ao provedor do meio de divulgação a responsabilidade pelas opiniões alheias, as quais devem ser tidas, no mínimo, como ato de terceiro, causa eximente da responsabilidade civil aquiliana. (…)

Enfim, não há lei que imponha ao dono do blog, e muito menos à empresa que o hospeda, o dever de exercer censura ou, nos termos eufemísticos, “moderação” sobre as opiniões manifestadas por terceiros à margem do texto publicado. Se é verdade que a expressão de opiniões e críticas é um direito que atrai a responsabilidade pelo excesso, também não se pode negar que seria injusto atribuir-se a alguém a responsabilidade pelo dano causado pela opinião veiculada por outrem, mormente quando este terceiro possa ser identificado.”

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