Nota sobre os recentes acontecimentos envolvendo o Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro

DPGERJO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO (IBDU) – associação civil de âmbito nacional,  constituída por centenas de profissionais e militantes sociais comprometidos com a reforma urbana – por meio de sua Diretoria e Coordenações Nacionais, vem a público manifestar o seu repúdio aos recentes atos praticados no âmbito da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro e seu cargo de confiança (coordenador de Núcleo de Terras e Habitação – NUTH), que configuram grave abuso de poder e conduta incompatível com os deveres inerentes aos respectivos cargos.

Desde a sua constituição, o NUTH, por meio dos Defensores Públicos e estagiários nele lotados, tem se destacado por sua atuação destemida e consistente em favor do direito à moradia e dos demais direitos humanos de populações de baixa renda ameaçadas e atingidas pelas mais diversas investidas de agentes públicos e privados, mui especialmente as operações de remoção, que recrudesceram sensivelmente nos últimos cinco anos. Assim, trata-se de órgão que vem realizando de modo exemplar a missão institucional da Defensoria Pública, bem como constitui-se, há algum tempo, num dos mais importantes agentes da reforma urbana e de defesa do Estado Democrático de Direito.

Como é notório, muitas das coletividades atendidas pelo NUTH situam-se em locais de grande atratividade para o mercado imobiliário, de modo que a atuação do NUTH merece todo amparo institucional, uma vez que o enfrentamento dos interesses hegemônicos sem o devido apoio significa deixar os Defensores Públicos e, logo, os próprios assistidos em situação de grande vulnerabilidade pessoal.

A despeito disso, desde 2011, o NUTH vem sendo alvo de seguidas medidas da chefia institucional da Defensoria fluminense, muitas delas de público conhecimento, que enfraquecem esse órgão e desprestigiam a sua atuação. Tais atos despropositados tiveram, nos últimos dias, mais um episódio insólito: a intervenção do coordenador do Núcleo, agindo provavelmente sob ordens diretas do Defensor-Geral, no sentido de suspender liminar obtida por Defensores integrantes do mesmo NUTH, liminar essa que impedia a demolição de casas desocupadas na favela Vila Autódromo, obtida no curso de ação coletiva que visa garantir o direito à permanência e à urbanização que vem sendo pleiteado por centenas dos habitantes dessa coletividade de baixa renda.

Tal intervenção, curiosamente, se antecipou a qualquer iniciativa da parte contrária aos assistidos pela Defensoria Pública – no caso, a Prefeitura do Rio de Janeiro – a quem sabidamente interessava a realização das demolições, em que pese o fato da sua objetiva desnecessidade. De outro lado, levou-se a efeito tal intervenção sem qualquer tipo de informação prévia ao presidente da associação de moradores, aos diretores do órgão associativo ou aos demais moradores que desejam evitar a remoção, que não foram chamados a participar das discussões ou conhecer do requerimento a ser apresentado ao Desembargador relator do processo. Em suma, as centenas de moradores da Vila Autódromo foram surpreendidos, e lesados em seus legítimos interesses, pela própria instituição encarregada de sua defesa em juízo.

Tratam-se de fatos que causaram absoluta espécie aos integrantes do IBDU, não somente pela violação da independência funcional, uma das garantias mais fundamentais de que gozam os Defensores Públicos no desempenho de suas atribuições, como também pela nítida intromissão de interesses da parte contrária àquela assistida pela Defensoria, em agressão aos mais básicos preceitos éticos e jurídicos que regem a advocacia, especialmente a estrita fidelidade a ser mantida pelo advogado no patrocínio judicial que lhe for confiado. Não custa lembrar a missão fundamental da Defensoria Pública, que, nos termos da Constituição, consiste na defesa dos direitos e interesses dos necessitados, com exclusão lógica de quaisquer outros interesses, absolutamente estranhos ao seu mister.

Cabe, portanto, cogitar-se da hipótese de exercício de atividades expressamente vedadas pelas Leis Orgânicas – nacional e estadual – da Defensoria Pública, que impedem a qualquer de seus membros valerem-se dessa qualidade para desempenhar atividade estranha às suas funções. Cabe cogitar, na mesma linha, de violação ao princípio do defensor natural, que garante ao Defensor Público, na representação de seus assistidos, a isenção de quaisquer  interferências, quer externas, quer da própria instituição a que pertence, a fim de que desenvolva seu mister com plena independência funcional.

Lembre-se, por fim, que tais fatos mancham indelevelmente a imagem da Defensoria enquanto instituição pública, na medida em que quebra a relação de confiança que deve manter com a sociedade, especialmente entre os seus assistidos reais e potenciais.

Desse modo, o IBDU vem conclamar, mui especialmente, os membros em atividade na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Associação de Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro, bem como os Srs. Deputados Estaduais integrantes da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a fim de que os fatos em tela não passem sem que medidas concretas e urgentes sejam adotadas no sentido de:

1. resgatar a plena autonomia da Defensoria em face dos poderes constituídos, não sendo despiciendo lembrar que “as funções institucionais da Defensoria Pública serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público”, a teor do que expressamente dispõe a Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/1994, Art. 4º, § 2º);

2. resgatar a rigorosa fidelidade de todos os órgãos da Defensoria no patrocínio judicial dos direitos e interesses de seus assistidos, primando em sua atuação pela promoção “da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais” (LC 80/1994, Art. 3º-A, I);

3. prevenir que os problemas ora relatados venham se repetir em outros relevantes processos judiciais ora em curso, que versam sobre direitos e interesses de outras comunidades de baixa renda em situação bastante similar à da Vila Autódromo.

Em suma, pugna o IBDU pela reconstrução da atuação da Defensoria em bases efetivamente democráticas, de acordo com sua missão!

Rio de Janeiro, 02 de abril de 2014

Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico

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