A Antropóloga Berta G. Ribeiro

Berta G. Ribeiro - Foto Companhia das Letras
Berta G. Ribeiro – Foto Companhia das Letras

Por Consuelo Pondé, na Tribuna da Bahia

De repente, sem mais nem menos, lembrei-me de uma mulher admirável que, por ter sido casada com um “monstro sagrado” da inteligência brasileira, Darcy Ribeiro, tem sido olvidada, porque o brilho do companheiro ofusca a sua florescência.

Efetivamente, muitas intelectuais são relegadas ao segundo plano, seus trabalhos intelectuais se tornam obscurecidos diante da obra dos seus esposos ou companheiros. Além de Berta, ocorre-me o nome de Leda Boechat Rodrigues, esposa e colaboradora permanente do historiador José Honório Rodrigues.

Berta Ribeiro, parceira incomparável de Darcy Ribeiro, está no rol dessas grandes mulheres ofuscadas pela radiação do marido, embora tenha sido uma competente etnóloga, certamente, a maior autoridade em Cultura Material dos Povos Indígenas do Brasil.. Filha de Motel e Rosa Gleizer, nasceu a 2 de outubro de 1924, na região romena da Bessarábia. Chega ao Rio em Janeiro de 1933, aos nove anos de idade, acompanhada do pai, que enviuvara, e da irmã Jenny, indo a família residir nos arredores da Praça XI, reduto da comunidade judaica.

Em São Paulo Jenny foi presa e deportada para a Europa por exercer atividade subversiva. Seu pai seguiu ao seu encalço, tendo sido detido e conduzido a um campo de concentração, onde morreu. Sozinha, em país estranho, Berta ficou entregue à responsabilidade do Partido Comunista, ao qual seu pai e sua irmã pertenciam. Entre 1936 e 1947 morou em São Paulo, passando a estudar na Escola de Comércio Alves Penteado, onde frequentava o Curso Técnico de Contabilidade.

Para custear seus estudos, passou a exercer a função de datilógrafa em determinada empresa.  Graças a esse emprego pode mudar-se para uma pensão, deixando de ser dependente do PCB.  Conheceu Darcy Ribeiro, em 1946,durante uma manifestação do Partido Comunista. Casaram–se, em 1948, quando Darcy ingressou no Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Separaram-se em 1974, após 26 anos de união e parceria profissional.

Formada em História e Geografia pela Universidade Nacional de Brasília (UNB), em 1953. Berta teve sua carreira interrompida pelos exílios no Uruguai, Venezuela, Chile e Peru. Mas, não ficou parada, olhando para o firmamento. Trabalhou arduamente na organização da documentação etnográfica de Darcy Ribeiro, com quem realizou inúmeras tarefas pelos sertões do Brasil.

Retornando do exílio em 1974, doutorou-se em Antropologia Social pela USP em 1980. Na oportunidade defendeu um dos mais completos estudos comparativos de cestaria indígena alto xinguana e alto rionegrina.

Teve eficiente atuação no Museu do Índio e no Museu Nacional. Como professora associada da UFRJ, ministrou aulas na pós–graduação e orientou alunos nos temas da sua especialidade. Era entusiasta da atividade que exercia, incutindo entusiasmo nos estudantes pelos conhecimentos de cultura material das populações indígenas.

Como membro atuante do Setor de Etnografia do Departamento de Antropologia do Museu Nacional (R.J) Berta recebeu apoio da Profa Maria Heloísa Fenelon Costa, que, após um longo interregno, a ajudou a retomar suas atividades de etnóloga.

Assim, nos idos de 1979, empreendeu viagem de estudo ao Xingu, onde coexistiam cerca de 14 tribos de falares distintos, pertencentes aos quatro principais troncos linguísticos indígenas brasileiros (Tupi, Aruak, Karib, Jê) e uma língua isolada Trumái, cuja homogeneidade cultural  fora objeto de observação de Karl von den Stein  e outros etnólogos  que percorreram a região dos formadores do rio Xingu, desde a aventura encetada por Steinen em 1884.

Tenho em mãos, no momento, seu livro: Diário do Xingu, de 1979, publicado pela Editora Paz e Terra. Curiosamente, essa denominação tinha tudo a ver com aquela mulher extraordinária.  Mulher fincada na terra que adotou, e suave como a paz da qual se ressentia.

Mulher forte, destemida, que enfrentava os mistérios das matas, os pequeninos aviões em que viajava ao lado de companheiros de aventuras, para irem ao encontro dos índios. Voltou ao Posto Leonardo, que visitara em 1963, e mal reconheceu, porque a estrada que ligava o campo de pouso ao “vilarejo” se apresentava bem mais larga e socada.

A naturalidade com que Berta faz seu relato é característica de quem possui desassombro para enfrentar as vicissitudes. Coisa alguma lhe produzia espanto, nem receio. Encarava hábitos e condutas dos indígenas com a maior naturalidade. Visitou várias aldeias, tendo o cuidado de escrever o que via e desenhar as figuras gráficas produzidas pelos sivícolas.

Dentre muitos, são exemplos os grafismos dos yawalapití, o desenho de um homem feito por um índio waurá (do caderno de notas de Wilhem von den Steinen (1887), sem falar nas anotações  sobre a comida Kayabi, um sem número de ilustrações, fotografias e um índice  e glossário. Também possuo, de Berta, o trabalho  primoroso, belamente ilustrado em pranchas soltas do texto, sobre a “Arte Plumária dos índios Kaapor” (Maranhão) que revela o gosto e o apuro extraordinários da autora pela cultura material dos povos indígenas.

Estive com ela poucas vezes, mas o suficiente para ficar fascinada com sua personalidade incomum. Darcy, nascido em 26 de outubro de 1922, morreu vítima de câncer de pulmão, a 17 de fevereiro de 1997, no Distrito Federal. Berta faleceu no dia 17 de novembro de 1997, no mais absoluto esquecimento.

Autora de vários livros, um deles deve ser destacado, “O Índio na História do Brasil”, lamentavelmente desconhecido pela maior parte dos brasileiros. Livro para ser adotado nas escolas de todo o país, que se esquece da sua matriz fundamental para cultuar apenas as contribuições adventícias.

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